2. capítulo vinte e seis

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29 de março - não sei que horas são, joguei meu relógio na parede porque ele não parava de apitar.

Querido diário,

Como eu posso acalmar esse caos dentro de mim?

Passei tanto tempo no galpão nesses últimos dois dias que nada fora de lá parece ser real. As pessoas, os lugares, até mesmo eu; é como se eu estivesse vendo o mundo pelo outro lado do espelho e tenho medo de ter trocado de lugar com ela enquanto dormia.

Sinto que estou desaparecendo.

Não lembro de seus nomes e, dificilmente, lembro de seus rostos depois que termino, mas é como se cada um que entra ali, fosse uma parte de mim que acaba ficando presa no galpão. Cada vez que volto para lá, me pergunto quanto tempo vai demorar até que eu não consiga mais sair. Talvez isso já tenha acontecido, mas ando em negação demais para perceber.

E Lucas...

Não o vi no colégio hoje. Nem ontem. Nem do dia anterior. Pensei que vê-lo pelo corredor ou durante os horários que temos juntos, ajudasse a aliviar essa sensação de que nada é real. Mas ele não estava lá. E isso me preocupa. Mesmo me convencendo de que ele está apenas me evitando, tenho medo que Adam tenha algo a ver com isso.

Ontem durante a aula, eu tentei me comunicar com Adam. Gritava em minha cabeça para que ele me ouvisse, como se em algum canto em minha mente, nós tivéssemos alguma conexão que permitisse isso. Deixe-o em paz, eu estou só. Mas ele nunca responde quando preciso, apenas quando quer. Ultimamente, ele tem se mantido distante, e eu preciso deixar bilhetes em meu apartamento para que ele os veja.

Lucas está fora, me diga o que você quer.

Me diga que ele está bem, por favor.

Esse silêncio que ele deixa é insuportável, preciso fazer algo antes que seja tarde demais para mim — Sempre é tarde demais para você, Alice — Eu sei, diário, mas eu só preciso das respostas que ele se recusa a dar.

Por que, em um dia, Adam age como se esse jogo doentio fosse a única coisa que importa, e no outro, ele age como se eu não existisse?

ㅤㅤㅤAlice releu o último parágrafo algumas vezes antes de suspirar e riscar as palavras com força, até que a folha se rasgou, deixando um vinco no lugar. Ela olhou para o cigarro apagado entre os dedos, esperando que aquilo fosse o suficiente para acalmar o tremor em suas mãos, mas sempre que pensava no clique do isqueiro, o enjoo voltava.

ㅤㅤㅤO ar dentro do carro estava abafado e o barulho constante da chuva batendo contra o veículo não trazia alívio. Deixou o cigarro cair entre os bancos e enfiou o diário dentro da mochila. Depois de mais de quarenta minutos dentro do carro, Alice finalmente abriu a porta, puxando o capuz do casaco sobre a cabeça.

ㅤㅤㅤSoltou um xingamento baixo quando sentiu os pingos gelados e constantes, precisou puxar ainda mais o capuz para proteger o rosto e acelerou os passos até entrar no mercadinho. À cada passo, ela olhava por cima do ombro porque uma parte dela esperava ver uma sombra escondida na chuva e, outra parte, torcia para que morresse naquele momento.

ㅤㅤㅤO ambiente estava quente e o cheiro de café barato pairava no ar, o que informava que devia ser por volta das 17:30. Sem olhar para os lados, caminhou apressada pelos corredores como alguém que guardava um segredo. Passou os olhos pelos pacotes de comida congelada que nem pretendia comprar, mas sua atenção foi atraída por dois burritos congelados, que ela pegou.

ㅤㅤㅤSeguiu para a seção de higiene pessoal, analisando atentamente as embalagens coloridas dos shampoos e sabonetes, mantendo uma expressão neutra enquanto procurava o verdadeiro motivo de estar ali. Sem muito trabalho, se deparou com a pequena caixinha posicionada entre os outros produtos e, hesitantemente, a pegou.

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