27_ Cinema

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Hoje era dia de treino, o que significava que, ou eu ia pra casa e voltava depois de duas horas, ou eu ficava enrolando na escola. O problema era que estava chovendo e eu não estava disposto a ir pra casa.

ㅡ Vai fazer o que depois da aula? ㅡ Elena perguntou. Era a última aula do dia, aula essa em que sentavámos juntos.

ㅡ Sei lá. ㅡ Recostei minhas costas na cadeira e cruzei os braços. Olhei na direção da janela e percebi que ainda chovia lá fora. ㅡ Por que?

ㅡ Aquela pipoca de ontem estava muito boa e me despertou uma certa vontade de comer uma pipoca de cinema. ㅡ Ela olhou para mim com a cara de quem ia pedir alguma coisa. ㅡ E acho que você ia fazer tudo o que eu quisesse essa semana, lembra?

ㅡ Como esquecer? ㅡ Forcei um sorriso que a fez rir. ㅡ Tem algum filme bom em cartaz?

ㅡ Não sei, lá a gente vê. Vai chamar a Maria? ㅡ Ela voltou a prestar atenção no que estava fazendo, que eu também deveria estar fazendo, mas me perdi na explicação e desisti na metade.

ㅡ A gente vê se ela quer ir. ㅡ O sinal tocou.

Os alunos começaram a se levantar para sair da sala e nós fizemos o mesmo. Saímos pelo corredor e de longe já vimos Maria no corredor conversando com Bela.

ㅡ Maria, a gente vai no cinema, quer ir? É por conta do seu irmão. ㅡ Elena perguntou atraindo o olhar das duas.

ㅡ Eu adoraria, adoraria ainda mais gastar o dinheiro do James, mas to cansada e só quero ir pra casa dormir. Cheguei tarde do jogo ontem. ㅡ Maria bocejou. ㅡ Mas, divirtam-se.

ㅡ Er... Elena? Tem um negócio aqui no seu rosto. ㅡ Bela apontou para a própria bochecha.

Elena passou os dedos na bochecha tentando limpar algo que eu mesmo não estava vendo.

ㅡ Saiu? ㅡ Elena perguntou.

ㅡ Não, ta meio vermelho. ㅡ Bela insistiu.

ㅡ É blush, amiga. ㅡ Maria respondeu.

ㅡ Ah, ta. ㅡ Bela riu sem jeito. ㅡ Algumas garotas usam maquiagem, né...

Maria e Elena se encararam com um olhar estranho, mas eu permaneci boiando no meio daquilo tudo.

ㅡ Vamos? ㅡ Elana perguntou para mim depois do silêncio esquisito.

Nós acabamos para Maria e saímos do colégio, já indo para o estacionamento.

ㅡ O que aconteceu? Eu não entendi nada. ㅡ Coloquei as mãos nos bolsos do casaco por conta do frio que estava ali fora.

ㅡ Eu não tenho certeza. ㅡ Elena estreitou os olhos. ㅡ Mas, venho suspeitando que a Bela não é bem tão legal.

ㅡ Como assim? ㅡ Destranquei o carro e abri a porta para ela.

ㅡ Ela as vezes mostra um comportamento estranho. Como agora. ㅡ Elena entrou no carro e eu fechei a porta. Dei a volta e entrei no bando do motorista. ㅡ Algumas garotas gostam de se mostrar diferentes para chamar a atenção de alguns caras. E eu já percebi que ela gosta de chamar atenção dos caras. Aquele papo de eu usar maquiagem é tipo dizer: " nossa, você usa maquiagem? Eu não uso, sou toda natural ". É claro que pode ser impressão minha, mas foi isso que pareceu.

ㅡ Vocês garotas são muito complicadas. ㅡ Liguei o carro.

ㅡ Espero estar errada. ㅡ Elena virou a cabeça para o lado e fechou os olhos. ㅡ Seria uma pena que ela tivesse uma personalidade assim. Mas, enfim, quem sou eu pra julgar alguém? ㅡ Ela riu de si mesma. ㅡ Tenho certeza de que eu também devo parecer irritante para alguém.

ㅡ Por que acha isso? ㅡ Saí do estacionamento da escola.

ㅡ Ah, todo mundo tem um gosto diferente. Pra umas pessoas eu posso ser legal, enquanto pra outras eu posso ser insuportável. A vida é assim. Assim como pra escola toda você é o bonitão charmoso, e pra mim você é incrivelmente comum. E irritante também. ㅡ Olhei para ela com  os olhos arregalados, o que a fez rir. ㅡ Sem ofensas, é claro.

ㅡ Sem ofensas? Você me chamou de comum e irritante. Ou seja, eu sou qualquer um sem nada de diferente e ainda assim consigo ser chato? ㅡ Ela voltou a gargalhar e por um momento me esqueci de ficar indignado pelo que ela tinha dito.

ㅡ Eu me expressei mal. ㅡ Elena se ajeitou no banco. ㅡ Deixa eu... Tentar reformular. Acontece que na minha antiga escola, os caras que eram populares e considerados bonitões eram sempre uns babacas machistas que só aceitavam ficar com uma garota se ela parecesse uma boneca Barbie sem defeitos e que praticavam bullying. Eu disse que você é comum, porque você é um cara normal. É considerado popular e bonito, mas não age feito um idiota. E eu disse que você é irritante porque, convenhamos, você é bem irritante comigo.

ㅡ Você tem um jeito de me elogiar e me ofender ao mesmo tempo. ㅡ Avistei o cinema de longe e já comecei a procurar uma vaga para estacionar.

ㅡ É o máximo que vai conseguir de mim. E sinta-se grato por eu admitir que não te acho um babaca. ㅡ Estacionei o carro na vaga.

ㅡ Obrigado? ㅡ Desliguei o carro e logo saímos dele.

Já no cinema, escolhemos um filme de terror para assistir sem nem ter lido a descrição. Compramos a pipoca e o refrigerante e entramos na sala de cinema.

ㅡ Esse filme deve ser um lixo, não tem ninguém aqui. ㅡ Elena falou assim que sentamos nas poltronas do meio.

ㅡ Mas, como você só quis vir por causa da pipoca... ㅡ Coloquei o balde tamanho família de pipoca no colo dela. ㅡ Fique feliz.

ㅡ Eu to feliz. ㅡ Ela sorriu e começou a comer a pipoca.

Os anúncios começaram a passar na tela e um casal entrou na sala. Os dois foram para o fundo e sentaram nas últimas poltronas. Os minutos foram passando, o filme começou e logo nos primeiros cinco minutos percebemos que o filme seria horrível.

ㅡ Ta ouvindo isso? ㅡ Elena perguntou em meio ao barulho alto do filme.

ㅡ O que? ㅡ De repente o filme ficou em silêncio e aí, sim, pude ouvir.

Acontece que o casal que estava nas últimas poltronas não estava muito interessado no filme.

Eles estavam gemendo e não era muito baixo.

Elena começou a rir tampando a boca com a mão e eu bebi o refrigerante para não começar a rir também.

Mais minutos foram se passando e eles simplesmente não paravam.

ㅡ Eu estou começando a ficar irritada. O filme é horrível, mas eu não vim aqui pra isso. ㅡ Elena colocou o balde de pipocas na poltrona ao lado.

ㅡ Pelo amor de Deus, não vai comprar briga agora não. ㅡ Segurei sua mão com a minha, a impedindo de se levantar.

ㅡ Um quarto de motel é mais barato que um ingresso, sabia? ㅡ Ela falou algo suficiente para que eles escutassem.

ㅡ E quem ta perguntando? ㅡ O cara respondeu e eu olhei para trás.

ㅡ Vai se ferrar, cara! Tá achando que ta aonde?

ㅡ Cuidem da vida de vocês. ㅡ A garota respondeu.

ㅡ Tô tentando, mas com uma sem noção gemendo alto é meio difícil. ㅡ Elena a respondeu.

A porta do cinema se abriu e uns funcionários apareceram. Eles foram até o casal do fundo e os obrigaram a vestir as roupas e sair. Vestir as roupas!

ㅡ Desculpem o incomodo. ㅡ Um dos funcionários disse para nós antes de voltar a fechar a porta.

ㅡ Agora voltamos ao filme chato. ㅡ Elena voltou a se ajeitar na poltrona, só então percebi que ainda estávamos de mãos dadas e permanecemos assim até o filme acabar.

•••
Continua...

Sentiram saudades?
Já já sai outro...

Coração em Jogo Onde histórias criam vida. Descubra agora