Coração em Jogo

39_ Serenata

Maria xingou tanto a gente que quando o carro de James parou em frente a minha casa, eu saltei para fora e corri para minha casa. Antes de fechar a porta, vi os dois saindo da garagem, ela parecia até que ia bater nele. Na real, acho que ela ia mesmo, porque ele saiu correndo num dado momento.

Será que exageramos com a coisa da espinha gigante?

Nah! Ela teria feito muito pior com ele, se pudesse.

Depois que fechei a porta e encontrei a casa vazia, a bad bateu. O que seria de mim nesse um mês longe dos meus pais e com essa casa toda só pra mim? Vou me sentir solitária.

Calma lá, esse foi um pensamento realmente meu?

Me sentei no sofá da sala e liguei a televisão. Uma espécie de desenho estava passando no canal que deixei, mas não prestei atenção, pois ainda estava chocada com meu próprio pensamento.

Nos últimos dois anos eu fui a personificação da solitude. Eu não saía pra nada, não fazia amizades e dava graças a Deus quando tinha a casa toda só pra mim. A Elena de algumas semanas atrás mataria para ter um mês inteiro só para ela numa casa dessas e eu estou com medo de me sentir solitária?

Que mágica é essa que Los Angeles fez comigo?

Foi quando um sorriso fraco, porém sincero estava voltando aos meus lábios. Eu estava superando. Estava voltando a ser o que era antes da Isa.

Tentei focar minha atenção no desenho, mas ele acabou não me prendendo muito e, quando vi, já estava mexendo no celular. No Instagram, mas especificamente. Eu podia não mexer no tiktok, mas os reels me tiravam um bom tempo.

Depois de uns bons vinte minutos perdidos vendo rotinas de that girl , reels de dança, basquete e bichos fofinhos, fui pega de surpresa quando entrei nos comentários de um reels sobre uma garota mostrando a evolução na academia e quem eu vi comentando foi a Bela. Seu comentário dizia exatamente assim:

Que evolução?

Obviamente o comentário dela estava repleto de respostas de pessoas xingando ela, mandando tomar conta da vida dela e esse tipo de coisa. Logo abaixo ela respondia novamente.

Pelo que eu saiba, o Instagram é uma rede social livre. Ela posta o que quer e eu comento o que eu quero. Se não quer receber contrários, é só não postar. Eu falei sinceramente, porque não vi evolução nenhuma. Continua sem bunda e com a barriga maior que os peitos, que com certeza são pura gordura. Mas, fazer o que, não se pode nem mais opinar nessa internet, lugar tóxico.

Eu fiquei tão chocada com o comentário que precisei entrar no perfil para ter certeza de que era mesmo a Bela que eu conhecia, e era.

E não foi só aquele. Nas meia hora que perdi vendo vídeos, vi uns quatro comentários desse tipo vindo dela, sempre criticando alguma outra mulher de uma maneira absurdamente rude e desnecessária.

Até que me aparece um vídeo do carinha da aula de música que ela disse que tem namorada, mas jura que gosta dela. Não era um reels tão famoso, os comentários eram de maioria da galera da escola. Era ele andando de skate e fazendo umas manobras.

Nesse reels também tinha um comentário da Bela, só que diferente dos outros, ela não estava criticando ele.

Como sempre, sem defeitos. Da próxima me chama.

Junto tinha um emoji de foguinho e dois olhos.

Revirei os olhos e passei o reels torcendo para não ser outro com comentário dela, e não era. Era uma inspiração de decoração para o Halloween. Como eu disse para James, minha família nunca chegou a comemorar o Halloween por ser muito perto do Dia de Los Muertos e não tínhamos dinheiro para duas decorações. Bom... Acho que agora temos.

Me levantei do sofá, desliguei a televisão, catei minha bolsa e saí de casa novamente. Não chamei por nosso motorista e também não falei com James, ainda era dia e eu queria ir andando até o centro de Los Angeles.

Após uns minutos andando e admirando as enormes mansões que tinham no meu bairro, eu finalmente cheguei ao centro. Me esqueci do fato de que era domingo, então algumas lojas estavam fechadas, mas não foi um problema, ainda assim consegui comprar muitas coisas de decoração para o Halloween.

Estava quase desmaiando quando me lembrei que não almocei e já ia dar quatro horas da tarde. Parei para comer um cachorro quente no pier e me sentei num bancos para observar a vista do mar.

Foi o pior cachorro quente que já comi na vida, mas pelo menos evitou que eu desmaiasse.

Decidi me virar e ver as pessoas que estavam no pier. Algumas pareciam estar turistando, outras indo nos brinquedos do parque, alguns só passeando e outros comendo aquele cachorro quente horrível.

Duas garotas passaram por mim. Deviam ter uns quinze anos e estavam tirando uma selfie a cada passo. Um sorriso fraco escapou por meus lábios e minha mente fugiu para longe.

~~

ㅡ Eu já tirei cinquenta fotos sua, Isabel. ㅡ Sacudi a mão fingindo estar com dor no pulso.

ㅡ Não foram cinquenta. ㅡ Isa veio até mim e pegou o celular para ver a quantidade de fotos. ㅡ Ta, foram cinquenta e dois, mas você sabe que dessas eu vou gostar de duas e olhe lá.

ㅡ Eu sei. ㅡ Ri limpando a câmera novamente. ㅡ Toma.

Fui na direção do mar e fiz poses para que ela tirasse fotos minhas. Era um feriado nacional e nós tínhamos passado o dia inteiro na praia comemorando. Agora um pôr de sol lindo estava acontecendo e nós aproveitamos para tirar fotos.

ㅡ Eu tenho uma coisa pra você. ㅡ Isabel voltou a falar depois que nos sentamos nas cadeiras de praia. Ela tirou uma caixa de sua mochila e me entregou.

ㅡ Por que isso? ㅡ Abri a caixa e era um tênis. Um belo de um tênis que Deus sabe o quanto eu estava precisando. ㅡ Isa...

ㅡ Soube que entrou para o time de basquete da escola. Parabéns! ㅡ Ela sorriu animada. ㅡ Eu não vou perder um jogo sequer.

ㅡ Eu não posso aceitar, Isa, isso é...

ㅡ Um presente meu pra você e você vai aceitar, sim. ㅡ Ela continuou sorrindo e eu acabei sorrindo também. Isabel sabia o quanto as coisas eram difíceis para minha família, e por mais que não fosse rica, sempre fazia de tudo para ajudar.

~~

Voltei a mim quando a angústia começou a me tomar e precisei respirar fundo para não chorar.

Decidi voltar para casa. Peguei minhas compras e, dessa vez, precisei chamar o motorista. Talvez eu tenha comprado coisas de mais. Ou não, a casa é enorme e talvez essa decoração mal apareça.

Assim que voltei para casa e comecei a arrumar tudo, coloquei uma playlist na televisão para ter um barulho e comi algo de verdade.

Quando a noite chegou, a frente da casa já estava enfeitada e talvez meus pais me matem. Coloquei teias de aranha, marcas de sangue em formato de mãos nas janelas, abóboras acesas com rostos desenhados e esqueletos pela varanda.

Algumas casas da rua também já estavam enfeitadas.

Estava exausta jogada na cama do meu quarto quando comecei a ouvir uma música diferente. Parecia uma banda de mariachis.

Corri até a janela do quarto dos meus pais e comecei a ter uma crise de risos quando vi que tinha mesmo uma banda de mariachis no quintal da minha casa. Eles estava tocando e cantando e James estava parado com flores na mão.

Os homens da banda não conseguiram entender o motivo de eu estar gargalhando tanto, mas James não pareceu ligar, ele apenas sorriu.

E quando na vida eu imaginei que receberia uma serenata com a casa toda enfeitada de terror?

•••
Continua...