45_ Obrigada por ter vindo

1.9K 372 52
                                    

Acho que nunca desci aquelas escadas tão rápido na minha vida. A casa estava um breu quando passei pela sala e abri a porta, encontrando James e uma chuva imensamente forte atrás dele.

ㅡ Entra. ㅡ Dei espaço para que ele entrasse e fechei a porta. Outro relâmpago soou e eu dei um pulo com um susto. ㅡ O que ta fazendo aqui? São mais de meia noite e você ta todo encharcado.

ㅡ Você ta sozinha. ㅡ Continuei o olhando, esperando que continuasse a falar. ㅡ E ta chovendo.

Eu não consegui dizer nada. James estava, novamente, demonstrando seu lado detalhista e atencioso e eu só quis abraça-lo, mas me contive quando me lembrei que ele estava ensopado por ter vindo correndo na chuva até aqui.

ㅡ Vou te dar uma roupa do meu pai. ㅡ Apontei a lanterna do celular para a escada e fui na mesma direção. Não ouvi passos, então olhei para trás, percebendo que James continuava parado no mesmo lugar. ㅡ Vem comigo, né? Não vou subir lá sozinha.

ㅡ Isso é por causa da chuva ou você tem medo do escuro? ㅡ Ele me seguiu, andando devagar para não escorregar.

ㅡ Os dois. Eu não tinha tanto medo assim do escuro, mas desde que Maria me fez ir até a casa daquela criança... ㅡ Subimos as escadas e eu iluminei o corredor, que parecia terrivelmente macabro.

ㅡ Que criança? ㅡ Ele perguntou parecendo confuso.

ㅡ Ela não te contou? Ela meio que ficou de babá essa semana com a irmã mais nova de um cara aí que ela tinha saído ou coisa parecida. Quando a gente chegou lá, a menina fez um desenho da família dela e da Maria, mas também de uma criança pendurada numa corda. Ela disse que era o Teddy e que ele tinha morrido. Depois a luz da casa apagou e a garota falou que o Teddy estava na escada, e que ele não colocava os pés no chão. ㅡ Apontei a lanterna para James, em tempo de ver uma careta assustada no rosto dele. ㅡ Maria não ficou lá nem cinco minutos e mandou o cara voltar e ficar com a garota.

ㅡ Deus me livre. Uma vez um primo meu de seis anos veio dormir na minha casa e a noite ele estava reclamando comigo que tinha uma mulher embaixo da cama dele. ㅡ James comentou parado na porta do quarto dos meus pais, enquanto eu procurava algo no guarda roupa que coubesse nele.

ㅡ O que você fez?

ㅡ Tranquei a porta. Se tivesse uma mulher lá, ela matava só ele. ㅡ Perdi as minhas forças com sua resposta e caí sentada no chão, quase chorando de rir.

ㅡ Tadinho! ㅡ Falei quando consegui respirar.

ㅡ Você ta bem? ㅡ James se aproximou de mim rindo e me ajudou a ficar de pé.

ㅡ Eu to e você ta molhando o quarto dos meus pais. ㅡ Puxei as duas peças de roupa que havia separado e entreguei para ele. ㅡ Se eles souberem que é madrugada e você está aqui sozinho comigo, no escuro ainda.

ㅡ É só você não contar assim. Se contar que eu vim aqui de madrugada pra ficar sozinho com você no escuro, eles vão me matar. Mas, se você disser que eu sou um namorado muito preocupado que sabe que você tem medo da chuva e veio aqui em meio ao dilúvio pra você não ficar sozinha... ㅡ Ele sorriu e deu uma piscadela.

ㅡ Dilúvio? ㅡ Ri novamente e apontei para a porta do banheiro dos meus pais.

James foi até o banheiro para se trocar, mas não fechou a porta. Me sentei na cama e apontei a lanterna para o banheiro, para ele não ficar no escuro, mas fiquei olhando para a parede do quarto.

ㅡ As câmeras da sua casa funcionam em caso de apagão? ㅡ Ele perguntou do banheiro.

ㅡ Eu não sei. ㅡ Olhei na direção da janela. A chuva ainda caía forte lá fora e o brilho forte dos relâmpagos me causavam um arrepio.

Voltei a encarar a parede.

ㅡ Acha que se seus pais olharem as imagens das câmeras agora, eles voltam achando que estamos fazendo alguma merda?

ㅡ Acho que eles estão ocupados demais para ficar olhando imagens de segurança. Minha mãe deve estar bêbada em um algum bar chique e meu ainda não se acostumou com o fato de ser rico. Ele nem deve lembrar das câmeras, muitos menos de ficar olhando as imagens. Acredita que esses dias ele foi com o motorista resolver umas coisas na empresa e voltou a pé no sol porque esqueceu que tinha motorista e que tinha ido com ele? ㅡ Voltei a rir, mas não do que eu tinha dito, mas, sim, de James, que saiu do banheiro parecendo que estava no Havaí.

ㅡ Seu pai se veste sempre assim? ㅡ Ele indicou a bermuda cargo de cor bege e a blusa havaiana florida azul com várias flores vermelhas e amarelas.

ㅡ Desde que nos mudamos para uma cidade praiana? Sim. ㅡ Sorri para ele.

James e eu saímos do quarto dos meus pais. Estendi a calça e a blusa dele na lavandeira, que nem estava tão molhada assim, e voltamos até a sala.

ㅡ Eu não vou ficar aqui. ㅡ Encarei a decoração de halloween que eu tinha colocado na frente da casa, e que dava para ver com detalhes pelas janelas enormes da sala.

ㅡ Ta com medo do Teddy aparecer? ㅡ James perguntou segundos antes de roubar o meu celular com a lanterna e sair correndo na direção da escada.

ㅡ James, seu idiota! ㅡ Corri atrás dele para não ficar no escuro, quase tropeçando em todos os degraus.

James correu até o meu quarto, onde eu o alcancei e o empurrei na minha cama, onde ele caiu rindo na minha cara.

ㅡ Seu retardado! Eu podia ter rolado as escadas e morrido! ㅡ Lhe dei tapas nos braços e peguei o meu celular.

ㅡ Desculpa! Desculpa! ㅡ Ele pediu sem conseguir parar de rir.

Um raio. Ele pareceu ter caído bem perto, pois o som foi tão alto que estremeceu todo o meu corpo.

As risadas cessaram. Meu coração acelerou de uma maneira repentina e eu me sentei na cama, certamente com um olhar apavorado no rosto.

James se aproximou de mim com rapidez. Ele me abraçou e me deixou aconchegar em seus braços até meu coração voltar a bater em seu ritmo normal e minha respiração se regular.

Ele me acariciou. Sua mão acariciou meu couro cabeludo enquanto o outro braço me rodeava e me permitia respirar sem tremer tanto.

ㅡ Ta tudo bem. ㅡ Sua voz soou pelo quarto em meio ao som da chuva batendo no teto.

ㅡ A Isabel foi atingida por um raio. ㅡ Falei quando tomei coragem de abrir a boca e decidir dar uma explicação para ele. James olhou para mim sem entender e eu respirei fundo antes de voltar a falar. ㅡ A Isabel era minha melhor amiga, desde criança. Quase que uma irmã. Estávamos numa festa, era tarde e estava chovendo muito. Eu falei para ela não ir para o campo aberto, gritei para irmos embora, mas ela estava bêbada e... Era viciada em viver a vida na adrenalina. ㅡ Senti uma lágrima escorrer, mas a sequei rapidamente. ㅡ Ela estava dançando com uma garrafa de bebida na mão no meio do campo, em meio a chuva. Um raio a atingiu. Todos ficaram assustados e eu não consegui me mover. Não consegui acreditar, não consegui fazer nada. Eu paralisei. E hoje eu não consigo ouvir um som de um raio ou uma trovoada sem me lembrar daquele dia.

ㅡ Eu sinto muito, minha linda. Muito mesmo. Você não merecia passar por isso. Ninguém merece. ㅡ James me abraçou ainda mais forte e depositou um beijo no topo da minha cabeça.

ㅡ Por isso eu passei os últimos dois anos excluídas de tudo e todos. Não fiz mais amigos. Não saí para mais nada. Não vivi mais nada. Eu não queria perder ninguém de novo e ainda tenho esse medo. ㅡ Olhei nos olhos dele. ㅡ Eu não sei o que vocês fizeram comigo e me permitiu viver de novo. Droga, eu não conseguia manter nem uma amizade por mais de uma semana e agora eu não consigo mais me imaginar sem você. ㅡ James abriu um sorriso para mim que me fez sorrir também. ㅡ Obrigada por ter vindo. ㅡ Me aconcheguei em seus braços de novo.

•••
Continua...

Coração em Jogo Onde histórias criam vida. Descubra agora