31_ Foi como estar apaixonada

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Eu era apaixonada por poucas coisas na vida.

Uma vez resolvi tentar um esporte para deixar de ser sedentária e senti meu coração acelerar só de ver o primeiro treino do time feminino da escola. Quando joguei pela primeira vez, me apaixonei e soube ali que queria fazer aquilo pelo resto da vida.

Quando tinha onze anos provei meu primeiro taco. Nossa, Elena, mas você é mexicana e só comeu tacos com onze anos? Sim, eu era fresca e julgava muito as comidas pela aparência. Ainda faço isso, admito. Mas eu achava que tacos eram ruins e comi pela primeira vez naquele dia. Também me apaixonei.

Eu era apaixonada por ver filmes bons de terror em casa com tudo escuro, por dias em que eu não preciso sair de casa, não tem nada de importante pra fazer e está chovendo, assim posso dormir a tarde toda, por roupas que caem bem no meu corpo, por dias na praia, por doces e por assistir reality shows aleatórios. Eu amava a sensação de fazer ou ver aquilo pela qual eu era apaixonada e quando James me prendeu contra aquele carro e eu senti ele tão perto de mim, senti algo diferente no peito.

Foi como a sensação que sinto quando jogo basquete, ou durmo num dia de chuva ou como tacos.

Foi como estar apaixonada.

Ele olhou pra mim depois de ficar um tempo encarando o cara da moto que já estava longe e eu congelei. Ele, obviamente, percebeu que eu o estava encarando e meus pensamentos entraram em conflito. Ao mesmo tempo que eu queria empurra-lo para terminar com aquele momento constrangedor, eu também queria que ele continuasse ali olhando pra mim e isso era muito estranho vindo de mim.

James começou a aproximar o seu rosto do meu e eu prendi a respiração. Quando poucos centímetros nos separavam, um grupo de motoqueiros começaram a passar na rua, fazendo barulho e poeira subir.

James se afastou de mim e eu dei a volta no carro para entrar pela porta do passageiro. Abanei a poeira com a mão e entrei no carro.

Ele entrou logo em seguida e esperou até que todos os motoqueiros passassem e a pista ficasse livre. A poeira baixou depois de uns segundos e logo ficamos sozinhos com nosso silêncio constrangedor.

ㅡ Se importa se eu for ouvindo música? ㅡ Tirei os fones do bolso e mostrei para ele.

ㅡ Não, tudo bem. ㅡ James ligou o carro e eu coloquei os fones nos ouvidos. Eu não estava realmente querendo ouvir música, eu só queria ter uma desculpa para não falar com ele.

Talvez fosse vergonha. Ou talvez fosse só a minha eu de sempre fugindo de qualquer coisa.

Deixei minha playlist do Spotify tocar no aleatório e foi Love me like you do que começou a tocar.

James saiu com o carro, a música começou a tocar e eu me peguei olhando pra ele. Ele estava sério, uma mão no volante, o outro braço com o cotovelo na janela e a mão perto da boca. Eu não sabia no que ele estava pensando, mas sabia no que eu estava pensando. E eu estava pensando em como queria que ele tivesse me beijado a uns minutos atrás.

De repente a cena em que ele me beijou na biblioteca me veio a mente e eu abaixei a cabeça. Aquele beijo não era pra mim. Agora eu queria um que realmente fosse direcionado a mim. E eu me sentia ridícula por isso.

Era o James! O idiota que não faz nada em aula, que implica comigo em todos os momentos, inclusive nos jogos, que não leva nada a sério, que competiu comigo na praia e perdeu. Mas também era o James que verificou a previsão do tempo para ver se não ia chover porque sabe que tenho medo. Também era o James que me emprestou a camisa quando molharam a minha. Que me emprestou seu casaco num dia de chuva. Que me impediu de ser atropelada por uma moto, que correu comigo pra casa quando relâmpagos começaram a aparecer no céu, que comprou um saco de pipocas pra mim e que quase virou a noite assistindo Dance moms.

James olhou para mim. Eu olhei para a janela fingindo demência.

Era isso mesmo? Eu estava começando a gostar do James? Gostar... Romanticamente?

O que eu ia fazer? Contar pra ele? Tentar algo com ele? Esconder isso lá no fundo do meu peito até desaparecer completamente e fingir que nunca senti?

Comecei a imaginar como seria se eu contasse pra ele e nós começássemos a namorar. Percebi que as coisas não mudariam tanto, pois praticamente já agimos como um casal. A diferença é que não sei o que ele sente com relação a mim.

Olhei para meu próprio corpo e percebi que estava me encolhendo. Era meu medo. Aquele que me impede de manter relação com as pessoas. Aquele que coloca na minha cabeça que aproximação é garantia certa de despedida no futuro.

James dirigiu pela cidade enquanto a música tocava em meus fones. Quando o carro estacionou na garagem da escola e ele saiu para dar a volta e abrir a porta pra mim, encarei meus próprios pés e me perguntei o que eu faria.

Conclusão: não pensei em nada e quando ele abriu a porta, tomei um susto que dei até um pulo no banco do carro.

ㅡ Você ta bem? ㅡ Ele franziu as sobrancelhas.

ㅡ Estou. ㅡ Coloquei o lado do fone, que tinha caído com um susto, de volta no ouvido e saí do carro.

Seguimos juntos até o ginásio da escola. As animadoras ainda estavam lá, inclusive Aila. O olhar dela para nós dois me fez sentir mal. Se Aila sentisse mesmo algo por James, mesmo que eles nunca tivessem tido nada de verdade, agora eu entendia o quão difícil devia ser para ela.

James foi direto para o vestiário. As cheerleaders começaram a esvaziar o ginásio e eu fui atrás de Aila num ato impensado.

ㅡ Aila? ㅡ Corri até ela, que parou de andar quando ouviu meu nome. ㅡ Posso falar com você?

ㅡ O trabalho ainda vai ser na minha casa, relaxa. ㅡ Ela se virou para mim. Notei que seus olhos estavam um pouco inchados.

ㅡ Não é sobre isso.

ㅡ O que é?

ㅡ Eu queria falar com você sobre o James. Eu sinto... ㅡ Ela me interrompeu.

ㅡ Eu não quero saber do James, Elena. Por mim, ele pode ser todo seu! ㅡ O tom que ela disse aquilo foi estranho. Ela estava com raiva, mas não pareceu que estava com raiva de mim ou do James.

ㅡ Olha, eu só quero...

ㅡ Não somos amigas. Não precisamos conversar. Eu tenho que ir. ㅡ Ela virou as costas me deixando sozinha.

Aila me parecia aquele tipo de pessoa que carrega uma imagem perfeita para as pessoas, mas que passa por tanta coisa debaixo dos panos que não conta pra ninguém.

Naquele momento dois pensamentos me vinham a cabeça: eu poderia tentar ajuda-la, descobrir o que estava acontecendo e ver se eu podia fazer alguma coisa. Ou eu podia me lembrar do dia em que ela ofendeu o meu corpo, foi grossa comigo e simplesmente ignorar.

Seja lá qual for o pensamento que vou seguir, no momento não posso fazer nada.

Bufei vendo que ela já estava longe a passos firmes e voltei para dentro do ginásio. Alguns garotos já estavam na quadra. James era um deles.

Me sentei na arquibancada perto dos outros que ainda estavam sentados e observei eles jogando. O problema era que James tinha toda a minha atenção. Toda vez que ele jogava, sorria, reclamava, corria... Tudo aquilo atraía a minha atenção.

Ele fez uma cesta. Ele olhou pra mim. Ele fez uma careta. Eu sorri. Ele ficou surpreso e saiu sorrindo também.

•••
Continua...

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