Six

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RUBY

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RUBY

A manhã estava mais calma do que o normal. Depois de semanas sem parar, os meus dias de folga tinham se tornado raros e preciosos, como uma rara joia encontrada em meio à rotina de trabalho duro. A feira na cidade estava cheia de vida, com barracas de frutas frescas, legumes coloridos e o burburinho animado das pessoas conversando sobre os acontecimentos da semana. Eu não tinha muito dinheiro, mas fui lá para comprar o que fosse necessário para a pensão e me sentir, de alguma forma, conectada a uma vida que parecia cada vez mais distante. Como se aquele pequeno momento de normalidade pudesse me dar um respiro.

Quando voltei para o quarto da pensão, o peso das sacolas de compras me fez perceber o quanto eu estava cansada. O sol da tarde penetrava pela janela, criando um brilho suave nas paredes amarelas. A pensão tinha um charme rústico que me agradava, mas havia algo sobre ela que ainda me fazia sentir que não era o meu lugar. A velha cama de ferro, a mesa de madeira desgastada e as cortinas floridas que pendiam desajeitadas me lembravam de que eu estava longe de casa. Eu não tinha muito, mas o que trazia comigo de Massachusetts ainda me conectava ao passado. As pequenas lembranças eram as únicas coisas que me faziam sentir que eu ainda tinha uma parte de mim, uma parte que não havia sido completamente deixada para trás.

Coloquei as sacolas em cima da mesa e comecei a olhar ao redor, refletindo sobre as coisas que estavam espalhadas pelo quarto. A mala com roupas que eu tinha trazido estava jogada de lado, junto com a foto da minha família que ainda estava na minha carteira. Era uma foto antiga, de quando ainda éramos uma família unida, quando as coisas eram mais fáceis, e as discussões sobre quem ia lavar a louça ou o que assistir na TV pareciam ser as maiores preocupações. Eu sentia falta disso. Sentia falta da minha casa, da minha mãe e das minhas irmãs. Olhando para aquela foto, não pude deixar de me perguntar como estariam agora.

Minha mãe, com seus olhos cansados e sorriso sempre acolhedor, deveria estar ocupada tentando lidar com a casa, como sempre fazia. As minhas irmãs, Amanda e Jessica, ainda estavam lá, em Massachusetts, morando em casa e, aparentemente, levando uma vida tranquila. Eu sabia que elas estavam bem, mas a falta de uma comunicação constante, o distanciamento que eu havia imposto a todos, era um peso que eu carregava sozinha. Eu tinha cortado quase todos os laços, exceto aqueles que me mantinham atada ao passado.

Lembrei-me das discussões com a minha mãe. Como tudo tinha se intensificado antes de eu tomar a decisão de ir embora. Ela sempre tentava me convencer a seguir o caminho seguro, o que ela achava que era melhor para mim. Talvez ela estivesse certa, mas eu não queria mais viver à sombra do que ela queria para mim. Eu queria ser eu mesma, viver de acordo com o que meu coração dizia, e não o que a minha família achava que era o certo. Claro, isso a magoou. Eu sabia disso. Mas o que mais eu poderia fazer? Eu estava exausta de tentar agradar a todos.

Olhei novamente para o espaço ao meu redor. Era simples, mas me trazia uma sensação de paz. Algumas velhas fotos de família estavam emolduradas na mesa, lembranças que eu não queria esquecer. Entre essas lembranças, havia um par de botas antigas que eu tinha trazido comigo. Não eram as melhores botas, mas eram minhas. Um presente de um amigo que fiz durante a faculdade. Estavam um pouco gastas, com alguns buracos nas laterais, e o desgaste nas solas estava cada vez mais visível. Eu sabia que precisava de um novo par, mas ainda não tinha o suficiente para comprar. Eu estava esperando o meu primeiro salário, e quando isso acontecesse, finalmente poderia substituir aquelas botas velhas por um novo par, mais adequado para o trabalho pesado.

Fiquei ali, pensando sobre como minha vida tinha mudado. De Massachusetts para o interior, de uma vida agitada e cheia de expectativas para um lugar onde tudo parecia mais simples e, ao mesmo tempo, mais desafiador. Era difícil não se perder nos próprios pensamentos, mas eu tentava, o tempo todo, manter o foco no presente. Eu estava aqui, e era isso que importava.

De repente, ouvi uma batida na porta. Era leve, mas firme o suficiente para me fazer sair dos meus devaneios. Olhei para a porta e me levantei lentamente. Quando abri, encontrei Betty, a dona da pensão, com um sorriso no rosto. Ela segurava algo nas mãos, envolto em papel pardo.

— Ruby, querida, posso entrar? — ela perguntou com a sua voz suave, cheia de ternura, como sempre.

Eu sorri e acenei com a cabeça, permitindo que ela entrasse.

— Claro, Betty. O que aconteceu? — perguntei, tentando esconder o que havia passado pela minha mente nos últimos minutos.

Ela entrou, seu sorriso parecia maior do que o normal, como se estivesse animada por algum motivo. Era raro vê-la tão empolgada, então eu sabia que algo estava por vir.

— Eu tenho algo para você — ela disse, entregando-me o pacote embrulhado.

Olhei para o papel pardo e, por um momento, pensei que fosse algum tipo de presente de boas-vindas, algo simples, como uma xícara de chá ou um cartão. Mas, ao desembrulhar o pacote, minha respiração falhou por um momento. Dentro estava um par de botas novinhas em folha. As botas eram robustas, com couro polido, e pareciam ser feitas para resistir a qualquer tipo de terreno acidentado. Eu fiquei ali, com as botas nas mãos, sem saber o que dizer.

— Betty, eu... não sei o que dizer. São lindas — falei, sentindo uma mistura de surpresa e gratidão tomar conta de mim. Eu não conseguia entender o que estava acontecendo.

Betty sorriu, como se estivesse esperando por aquela reação.

— Eu sei que estava precisando de um par novo, Ruby. E alguém me disse que você estava esperando o primeiro pagamento para poder comprar. Então, pensei em dar-lhe um presente. Sabe, o pessoal por aqui se preocupa com você — ela disse, com a voz suave e carinhosa.

Eu olhei para ela, confusa, ainda sem acreditar. Não era o tipo de gesto que eu esperava. Eu sabia que Betty era generosa, mas isso parecia ir além. Eu me sentia envergonhada por não ter sido capaz de comprar as minhas próprias botas ainda, mas, ao mesmo tempo, aquilo me tocava profundamente.

— Mas... Betty, quem me deu isso? — perguntei, sentindo que havia algo por trás daquilo.

Ela olhou para mim com um sorriso misterioso e, então, baixou a voz.

— Bem, a pessoa que teve a ideia foi Elijah. Ele me pediu para comprar essas botas para você e me entregou o dinheiro. Eu soube que você estava precisando e, bom, ele pensou que isso fosse ser útil para o seu trabalho.

Eu fiquei paralisada. Elijah. Ele? Meu coração bateu mais rápido, e eu não sabia como reagir. Nunca imaginei que ele fosse se importar tanto. Ele era tão focado no trabalho e sempre tão sério, que nunca pensei que ele teria esse tipo de gesto. Mas ali estava ele, por trás daquele presente, fazendo algo por mim de uma maneira silenciosa e cuidadosa.

— Elijah...? — eu murmurei, tocando as botas, ainda incrédula. — Ele me deu isso?

Betty riu, como se estivesse se divertindo com a minha surpresa.

— Sim, querida. Ele se importa mais do que você pensa — ela disse, e sua voz tinha algo de afetuoso. — Agora, aproveite. Vá cuidar do trabalho com as botas novas. Não deixe essas velhas te segurarem.

Eu a agradeci várias vezes, mas a verdade é que as palavras pareciam pequenas demais diante do gesto de Elijah. Era como se, naquele momento, uma parte dele tivesse me mostrado algo que eu nunca tinha visto antes. Algo que me fez sentir que, talvez, eu estivesse mais conectada a esse lugar e às pessoas daqui do que eu imaginava.

Quando Betty saiu do meu quarto, eu fiquei ali, sozinha, olhando para o presente. As botas novas eram mais do que um simples objeto. Elas eram um símbolo. Um símbolo de que eu tinha, de alguma forma, encontrado um lugar onde eu importava. Um lugar onde meu esforço não passava despercebido.

E, por mais que eu estivesse longe de casa, aquele pequeno gesto fez eu me sentir, finalmente, um pouco mais em casa.

𝐓𝐄𝐍𝐍𝐄𝐒𝐒𝐄𝐄 𝐖𝐇𝐈𝐒𝐊𝐄𝐘Onde histórias criam vida. Descubra agora