Muito Tempo Depois Dela

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 2015

Aquela bicicleta continuava ali, de certa forma perdida no tempo. É engraçado pensar que todo objeto tem sua história e até a coisa mais simples pode mudar a vida de alguém. Até uma simples bicicleta.

Queria eu que todas as memórias trancadas dentro de minha cabeça fossem tão boas quanto o primeiro dia com a minha bicicleta rosa. Queria ter sido sempre o garoto inocente de imaginação fértil e aquela vontade de viver. Eu queria ver se a velha garagem que ficava atrás da casa ainda existia, mas o homem fechou o portão.

Joguei o resto do cigarro no chão e comecei a andar, não que eu soubesse exatamente onde eu estava indo, talvez eu só quisesse achar mais alguma coisa que fizesse eu me lembrar de como eu me sentia naquela época – antes de tudo acontecer.

O caminhão do velho Edgar estava no lugar onde sempre esteve. Edgar era um caminhoneiro que vivia com a mulher, Jussara, em uma casa do outro lado da rua. Um certo dia quando eu ainda era bem pequeno ele foi pro hospital e nunca mais voltou. Ainda me lembro de como a viúva fazia questão de que o caminhão continuasse ali, parado dentro do quintal. Talvez fosse o que conectasse ela aos bons momentos da sua vida. O fato é que ela fez tanta questão que mesmo depois de trinta e poucos anos o caminhão ainda estava lá. Estava enferrujado, os pneus vazios e provavelmente seria impossível de consertar, mas estava lá.

O objeto que me conectava com o "antes" era um colar fino e longo, na sua ponta, segurado por um barbante negro e trançado ficava uma pedra azul cintilante que continha vários pontinhos, quando alguém mexia nela, os infinitos pontos brilhavam de um lado para o outro como uma grande constelação. Era chamada de Pedra Estrela. Passei a mão na pedra e fechei os olhos por um segundo, aquilo sempre funcionava. Segui na direção da casa de Wallace, perto dela havia um terreno vazio no qual costumávamos brincar. Um dia chegamos a construir um forte usando apenas madeiras velhas e resto de móveis que achamos pela rua – eu ri sozinho. Chamávamos de Forte-Perdido.

Lembro-me que mobilhamos com pedaços de arvores e que achamos um sofá rasgado que a dona Jussara havia jogado fora, achávamos que éramos uma sociedade secreta.

— Amigos pra sempre. – disse Wallace.
— Pra sempre. – Respondi. Queria saber por onde ele anda hoje em dia.

Cheguei em frente ao antigo terreno, ficava do outro lado da rua da casa de Wallace, porém uns dez metros a direita. Ao contrário do que pensei, nenhuma casa havia sido construída ali. Ninguém transformou o lugar em estacionamento ou alguma loja de roupas que iria falir dali seis meses e uma outra apareceria no lugar. Não, era só o velho e bom terreno vazio que costumávamos brincar. É claro que a vegetação havia crescido e lembrava um pouco uma pequena floresta entre duas casas, mas era o mesmo lugar. Aquele era o único lugar que não havia mudado com o tempo, que não estava distante de mim.

Foinesse momento que eu vi, entre a vegetação e grande árvore no fim do terreno.Havia algo coberto que chamou minha atenção. Adentrei o espaço que era divididoentre plantas e lixo. Pisei em uma garrafa de vidro quebrada, mas por sorteusava botas de couro bem fortes. Mergulhei por entre os galhos e a folhasverdes que se recusavam a se dar por vencidos entre lixo e o desprezo daquelesmoradores. E ali estava, o velho fusca branco do padrasto de Wallace, Afonso. Obranco já não tinha o mesmo tom, a ferrugem impregnava por vários cantos e asrodas haviam sido retiradas, mas era o mesmo carro, lembrei da primeira vez queandara dele, havia sido depois de tudo.

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