A Colecionadora de Palavras

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  Seis meses antes de ela ir embora

A resposta a minha carta chegou no dia seguinte. Para falar a verdade, eu não esperava receber outra carta de Valentina, pensei que a educação dela acabaria ali, quando disse que estava bem, porém eu estava enganado.

"Caro aventureiro, já fui informada da existência do telefone, não se preocupe quanto a isso. O que me preocupa é que não gosto de palavras jogadas ao vento, ditas apenas no calor do momento, esse tipo de coisa acaba sumindo e se perdendo pra sempre. Prefiro a forma física de qualquer coisa, e com minhas conversas não seria diferente. Gosto de toca-las, sentir sua energia depositada em cada palavra. Não pense que sou louca e não converso pessoalmente com as pessoas, acho que até falo demais, porém, uma carta é a forma física de uma conversa. Você pode realmente senti-la, e o melhor de tudo é que ela pode ser guardada. É um documento de uma conversa e pode ser relembrada a qualquer momento. Eu na realidade me considero uma colecionadora de palavras. É uma maldição e uma benção. Mas me diga, isso não é absolutamente fantástico? São como fotografia, uma foto nada mais é do que um milésimo de segundo congelado em nossas mãos. Enfim, deixemos a fantasia de lado e nos concentraremos na realidade. Convoco sua presença nos portões do porto essa tarde, lá pelas cinco.
Sua enfermeira."

Ri sozinho na cozinha, ela havia acabado de me humilhar e me chamado para sair, aquilo era maravilhoso. Segurava a carta na mão com cuidado, era tão delicada e bem acabada quanto a outra. O envelope era feito com uma espécie de dobradora em uma papel cor de marfim, senti seu cheiro, tinha cheiro de perfume doce e delicado.

— Outra carta? – Perguntou meu pai. – Quem é a admiradora secreta
— Não pai, não é admiradora. Só uma amiga.
— No meu tempo cartas eram coisas de gente apaixonada – disse meu pai. – E ainda acredito que seja.
— Não, ela tem namorado – senti minhas próprias palavras atravessando meu peito e arrancando o pouco de esperança de algo com Valentina que aquela carta trouxe junto com o cheiro de perfume e a letra desenhada.
— Se você diz – meu pai segurava uma caneca cinza, uma fina fumaça saia pelo topo. Meu pai tinha aquele sorriso torto que eu já conhecia, o sorriso que ele sempre dava quando achava que estava certo, porém dessa vez eu tinha certeza que ele não estava. Para os pessimistas como eu, estar errado é sempre algo bom.
— É a Valentina, sabe?
— Filha do Luiz Macedo? – Perguntou meu pai.
— Acho que sim – eu tinha certeza.
— Bem, é uma garota boa, pelo que sei Luiz passou por coisas horríveis e ela é quem mais o ajuda, se serve de consolo ele nunca me falou que ela tinha nenhum namorado. – Ele riu antes de tomar um gole de café. – Olha filho, independente do que acontecer entre você e essa garota, não fique triste, certo? Se for pra ser apenas uma amizade, faça essa amizade valer a pena.
— Não se preocupe com isso pai, eu tenho tudo sob controle – eu disse, sem saber que na verdade, eu não tinha controle sobre nada.

Da uma da tarde até as quatro os relógios resolveram me pregar uma peça. O tempo se arrastou pelo que pareceu ser a eternidade. Os ponteiros se recusaram a andar por mais que eu fizesse de tudo para esquece-los. Ajudei minha mãe a limpar a casa, ela estranhou de início mas depois aceitou a ajuda. Ela era daquele tipo de mulher que é viciada em limpar até o que já está limpo, depois de meia hora ela mandou eu ir pro meu quarto e inventar algo pra fazer.

— Você não sabe varrer do meu jeito, sobe pro seu quarto. – Disse ela.

Fui expulso até da faxina, esse era meu nível de utilidade. Deitei na minha cama olhando pro teto, quis até dormir, porém não conseguiria. Se o Wallace soubesse até conseguia imaginar o que ele diria "Tanto nervosismo só por causa de uma garota?" Wallace dizia já ter ficado com um monte delas, embora eu só tivesse visto ele com a Jussara, uma garota da nossa escola que era bem, digamos, exótica.

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