O Fusca

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Um mês depois de ela ir embora

1991

Eu tinha dezessete anos. Sempre acreditei que cada um tem uma forma diferente de lidar com a dor. Eu claro, fui uma dessas pessoas. O meu modo de lidar com tudo era trancar os sentimentos dentro de mim, não me expressar e só esperar que tudo passasse.

— Ed! Ed! – Disse Wallace. – Responde.
— Sim?
— Você por acaso ouviu algo do que eu disse?

Claro que eu não tinha ouvido nada. Estava perdido em pensamentos e complexidades que na verdade nem eu mesmo entendia muito bem.

— Claro – eu disse.
— Claro que não – disse Ariane. – Escuta, eu sei que tu tá passando por um momento difícil, mas a gente tá tentando te ajudar, Ed! Deixa a gente tentar.
— Claro.
— Como eu estava dizendo – continuou Wallace. – Meu padrasto acabou de chegar do bar. Tá podre de bêbado aquele traste. Daqui a quinze minutos quando ele dormir não vai acordar nem se o próprio godzilla sair da lagoa dos patos e atacar a cidade.
— Isso é até bem provável que aconteça – disse Ariane. – Com a quantidade de lixo que jogam lá. – Disse ela enquanto de aproximava da coleção de discos de vinis de Wallace, era uma de suas paixões.
— Não mexe em nada – falou ele.
— Só vou colocar uma música pra gente – ela deu sorriso. Se fosse eu ou qualquer outra pessoa naquele lugar ele teria jogado seu sapato, mas como era Ariane, ele só sorriu de volta e ignorou o fato. Ela escolheu um disco do Cazuza e colocou a agulha na faixa "O tempo não para" – Ai meu coração.

— Não é minha música preferida dele – eu disse.
— Cala a boca Ed – resmungou Ariane. – Ainda estou de luto.
— Só não aumenta muito o volume – disse Wallace. – Se o meu padrasto acordar agora eu vou te matar.
— Então, onde vamos mesmo? – Perguntei.
— É surpresa – respondeu Ariane.
— Eu queria tanto que o Israel tivesse vindo. Não é possível, o cara já tem dezesseis e os pais ainda não deixam ele dormir na casa do amigo.
— Acho que ele não veio porque tem medo de dormir fora de casa – disse Ariane rindo. – Colocou a culpa nos pais pra ficar menos ridículo pra ele.
— Não duvido mesmo – respondeu Wallace. – Aquele medroso desgraçado.
— Eu não quero ir – protestei. – Não tô no clima pra sair.
— Eduardo – Wallace estava frente-a-frente comigo. Nós dois estávamos sentados no tapete do seu quarto. – Já faz quase um mês, você tem que começar a interagir com as pessoas ou vai ficar louco.

Encarei Wallace, tive vontade de xinga-lo, sair dali e ir pra casa ficar sozinho, mas não fiz isso. Eles tinham me convencido a ir dormir ali porque seria legal, até aquele momento eu não estava me divertindo e me arrependia cada vez mais.

— Ed, tu tens que ocupar um pouco a cabeça pra não pensar tanto nela – disse Ariane, encarei-a com o mesmo olhar que havia lançado a Wallace segundos atrás. – E não adianta fazer cara feia pra mim, não tenho medo.
— Vocês não entendem.
— A gente entende – respondeu Wallace. – Mas a vida continua.
— Pra você é fácil né? Não é tu que tá passando por isso. Não é tu que tá sofrendo.
— Calma Ed – disse Ariane. — A gente só quer te ajudar.
— Eu amava ela. E ela foi embora. E não vai mais voltar.
— A vida continua... — sussurrou Wallace baixinho.
— Vocês agem como se tudo estivesse normal, mas não está. – Notei só nesse momento que eu estava alterado e lágrimas escorriam pelo meu rosto. Ariane se aproximou de mim e surpreendentemente meu deu um abraço.
— A gente te ama, Ed. – Disse ela, Wallace se juntou formando um abraço triplo. — E se tu começar a chorar agora, eu vou bater na sua cara.

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