Só Noticias Ruins Chegam Pelo Telefone

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 Dois meses e sete dias depois de ela ir embora

Meu rosto já estava praticamente normal. Na escola Wallace disse que o padrasto havia acreditado na história do roubo do carro, já havia achado e mandara consertar. Tudo estava se ajeitando do jeito que dava. Eu e meu pai começamos a trabalhar na sua velha motocicleta toda tarde depois que ele chegava do trabalho, provavelmente ele queria manter minha cabeça ocupada para que eu não saísse fazendo idiotices com meus amigos e acabasse espancado mais uma vez.

Passava das dez da noite. Eu havia acabado de tomar banho e mesmo assim não havia conseguido tirar toda a graxa das mãos. Não que eu entendesse qualquer coisa de mecânica, mas meu pai entendia e quando ele mandava eu fazer alguma coisa eu fazia. A vida seria bem mais fácil se a gente sempre tivesse alguém nos instruindo a fazer a coisa certa. Foi fácil dormir. Deitei e senti a cama me abraçando, afundei nos cobertores. Estava confortável o suficiente pra que o mundo fora daquela cama não existe. Apaguei.

Acordei com a boca seca. O relógio ao lado da cama marcava duas horas da manhã. O quarto era uma escuridão total. Eu queria muito ficar na cama mas parecia que minha garganta se rasgaria se eu não bebesse nada. Levantei devagar e fui em direção ao corredor igualmente escuro. Felizmente minha visão estava acostumada. Ruim mesmo foi quando eu acendi a luz do corredor para poder descer as escadas. A luz queimou meus olhos e por alguns segundos eu não consegui abri-los.

Eu estava me dirigindo pra cozinha quando quase como se o telefone tivesse sensor de movimento, ele tocou. O som metálico ecoou pela casa e pra ser bem sincero, me deu um puta susto.

— Alo? — Falei.
—...
— Vem cá, isso é hora de passar trote?
—...
— Tchau
— Ed!
— Quem é?
— S-ou e-u.

A voz estava falhada e fraca, mas reconheci.

— Wallace?
— Me a-ajuda.
— O que aconteceu?
— Me ajuda.
— Onde tu tá?
— Hotel Michigan
— Onde fica isso?
—...
— Wallace?

A linha estava muda.

Algo estava errado. Muito errado. Senti um nó na garganta. Peguei a lista telefônica que ficava na primeira gaveta do móvel do telefone. Pulei logo pra letra M. Procurei por uns três minutos até achar "Michigan Hotel". Disquei o mais rápido que pude.

— Este número encontra-se fora de serviço.

Disquei novamente, a mesma mensagem.

Junto com o número na lista telefônica havia um endereço. Rua Perrish, 131. Fui obrigado a procurar no mapa das últimas folhas, levei uns bons dez minutos até encontra-la. A rua perrish ficava rente à rodovia no sentido pra Porto Alegre, quase saindo da cidade. Peguei as chaves do carro na cozinha e fui até a garagem. Abri o portão e entrei dentro do quarto.

O que eu não contei até agora é que eu tinha muito medo de dirigir. Eu sabia, mas aquilo me apavorava. Um sentimento de nervosismo me dominava sempre que eu estava no volante, meu pai dizia que era questão de me acostumar. E foi meu pai que surgiu na frente do carro quando eu girei a chave. Vestia uma bermuda e tinha o cabelo bagunçado.

— O que tu tá fazendo Eduardo?
— Pai, eu preciso do carro — respondi pela janela, sem sair.
— Precisa pra que? Pelo amor de Deus. Volta pra cama.
— O Wallace precisa de mim pai.
— O Wallace tem família.
— Por favor? Tu confia em mim?
— Não faz esse jogo comigo.
— Tudo confia em mim, pai?
— Confio.
— Então me deixa ir ajudar.
— Tá bom. Tá bom. Vai.

Ele balançava a cabeça negativamente, mas saiu da frente do carro. Soltei a embreagem devagar e comecei a acelerar, saí da garagem e encontrei o chão de pedra.

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