A Magia Das Letras

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Cinco meses antes dela ir embora

Durante aquela noite e madrugada à dentro, mergulhei no mundo de palavras que era aquele livro. Por entre aquela constelação de letras que transmitiam tantos sentimentos me vi perdido em uma época diferente, infiltrado na história de Bentinho e Capitolina. Submerso no mar de versos, podia até sentir a presença de Valentina no final de cada página. Podia sentir seu sorriso e sua cara de espanto quando havia lido pela primeira vez cada palavra. Nunca me senti tão conectado com um livro, afinal, nunca havia lido livro nenhum. Nunca imaginei que páginas de papel amareladas poderiam me conquistar daquele jeito. Hora ou outra parava para sentir o cheiro. Era uma mistura de pó com papel, mas ainda havia o perfume que Valentina usava, embora talvez fosse somente em minha imaginação. Eu sorria e às vezes ficava surpreso com os acontecimentos.

Quando eu terminei de ler o capítulo "XXXIII – O Penteado" repousei o livro ainda aberto sob o meu peito. Sorri no escuro, embora não houvesse ninguém para contemplar minha felicidade. Desejei que Valentina estivesse ali comigo, queria abraça-la, tocar seus cabelos e sentir o cheiro de sua pele. Todas essas imagens dançavam em minha cabeça enquanto eu encarava o teto acima de mim. Será que Valentina sabia o tempo todo que eu sentiria todas essas emoções? Naquele momento me arrependi por não ter começado a ler o livro antes. Sorri novamente antes de adormecer.

Quando acordei os raios dourados de sol invadiam o meu quarto. O livro ainda estava sob meu peito. Retirei-o com cuidado e deixei no criado mudo com a página devidamente marcada. Levantei com muito esforço e tomei meu banho matinal, tinha mania de acordar cedo mesmo nas férias. Meu pai já havia saído para trabalhar quando fui tomar café, minha mãe estava ocupada com várias encomendas e eu não quis incomodar. Tomei café com leite e comi meio pacote de bolacha recheada Fominhas.

— Edu. Chegou mais uma carta pra você. — Disse minha mãe.

Sai andando com a boca ainda cheia de bolacha. A carta estava ao lado do telefone, onde minha mãe sempre deixava as correspondências. O selo de cera vermelho era sua marca registrada. Abri com cuidado.

"Meu aventureiro, desculpe não lhe contar tudo isso pessoalmente. Estou escrevendo essa carta às pressas. Minha avó que mora em Porto Alegre acabou de ser internada e eu, meu pai e irmão estamos indo ajuda-la hoje. Ficarei fora por uma semana. Se tudo der certo volto ainda mais cedo. Vou tentar te escrever enquanto eu estiver por lá, porém não sei se conseguirei. Em todo caso releia essa carta quantas vezes quiser e saiba de uma coisa: Te vejo em breve.

Adoro-te.

Sua enfermeira."

Terminei de ler a cara triste. Queria muito falar sobre o livro para Valentina e o quanto eu havia gostado. Durante um momento senti raiva por sua avó ter ficado doente logo naquele momento, porém segundos mais tarde percebi que isso era muito egoísmo da minha parte.

— O que foi, meu filho? — Perguntou minha mãe notando meu olhar cabisbaixo.
— A Val vai passar uma semana fora.
— Ah, não se preocupe. Passa rapidinho, viu?

Sentei-me à mesa e peguei o jornal de meu pai na tentativa de ocupar a minha mente com qualquer coisa que não fosse a ausência de Valentina. Quando estava longe dela eu me sentia fraco. Perguntei a mim mesmo como uma simples garota poderia causar esse efeito em mim. A resposta veio à minha mente em seguida: ela não era uma simples garota. Valentina era um emaranhado de sorrisos, preocupações e delicadeza. Era feita do mais puro diamante e tinha o cheiro mais doce que poderia existir. Seus cabelos eram um mar negro com suaves ondas que poderiam engolir até o mais experiente marinheiro. Valentina era um tesouro raro e sem igual, e por algum motivo aquela garota incrível tinha se apaixonado por mim.

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