A Caminhada

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Um mês depois de ela ir embora

Acordei com uma dor de cabeça terrível, eram seis da manhã e eu precisava tomar um banho antes de ir para a escola. Alguns meses antes eu reclamaria e me sentiria péssimo por ter que ir estudar, como todo adolescente normal. Mas naquele momento tudo que eu queria era não precisar ficar sozinho no meu quarto.

Quando eu fico sozinho, sou obrigado a ouvir as vozes na minha cabeça.

Tomei café junto com meus pais como de costume. Minha mãe, que trabalhava em casa fazendo bolos por encomenda reclamava de uma cliente que ficou insatisfeita com a cor do merengue que cobria o bolo, segundo ela era o tom errado de rosa.

Meu pai escutava atentamente mas não ouvia nada. Enquanto minha mãe falava ele encarava os classificados de carros usados no jornal, por anos queria comprar um carro novo. Não aguentava mais os problemas que seu carro atual tinha toda semana.

— Então eu disse pra ela: arranja outra pessoa pra fazer seu bolo da próxima vez. — dizia minha mãe.
— Claro querida.
— Você está ouvindo o que eu estou dizendo, Augusto?

Sai da mesa antes deles começarem a discutir. Fui até o banheiro e me sentei no chão, só esperando que um dia toda essa tristeza acabasse.

E de fato a tristeza acabaria, ou acabaria comigo.

Wallace não foi pra aula naquele dia. E como sempre acontecia quando o meu único amigo faltava a aula, eu fiquei sozinho e sem ter com quem conversar. Camila, uma das garotas metidas da sala me jogou uma bola de papel, abri para tentar encontrar uma mensagem secreta, porém não havia nada. Conclui que ela só queria me incomodar mesmo.

Abri meu caderno na última folha e comecei a rabiscar coisas sem sentido. Acredito que quando nascemos somos como uma folha branca de um caderno. Somos uma possibilidade, podemos transformar aquele espaço vazio em algo bom, quem sabe em até uma obra de arte. Mas nunca funciona assim, primeiro tentamos fazer algo bonito. Desenhei um boneco usando todas as habilidades de desenho que eu não tinha, quando percebi que estava horrível, decidi adicionar um óculos escuros, um cigarro e uma jaqueta de couro.

— Bem melhor.

Depois fui preenchendo o espaço em branco com coisas aleatórias. Uma pizza, um urso, uma motocicleta, uma garota, o nome dela. Aquele nome repetido mil vezes naquela folha que não tinha espaço para toda a saudade que eu sentia dela.

— Ei Ed — ouvi me chamar.

Quando levantei o rosto Ariane me encarava enquanto mascava um chiclete e um meio-sorriso no rosto.

— Oi Ari.
— Cadê o chato?
— Não sei — respondi. — Não me avisou nada, acho que tá de ressaca.
— Não duvido.
— Pois é. — Ariane e eu raramente ficávamos sozinhos. Era até estranho que até uma amiga tão próxima de mim podia ser uma estranha.
— Aliás, tudo certo pro final de semana, né?
— Claro, uma festa só pra nós.
— Só pra nós — repetiu ela antes do sinal tocar.

Ela levantou da carteira e saiu de queixo erguido. As garotas do canto direito da sala fizeram uma cara de nojo, Ariane nem se importou. A maioria das meninas não gostava da Ariane ou do jeito dela. Ela conseguia ser bonita sem fazer esforço e mesmo sem se importar com garoto nenhum, a maioria caia a seus pés. O professor de português entrou na sala e as mesmas garotas esboçaram um sorriso enorme.

O professor Fernando Dias tinha cerca de vinte e cinco anos, era forte, tinha a barba por fazer e um sorriso que sempre estampava seu rosto. Era o tipo de professor que recebia cantadas das alunas mais ousadas, mas nunca retribuía.

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