Um mês depois de ela ir embora
Acordei repentinamente, como se alguém tivesse me chamado, porém eu estava sozinho. Eu havia cochilado encostado na árvore e todas aquelas lembranças vieram à tona. Ainda era dia, eu havia dormido pouco mais de uma hora, talvez. Entrei e minha mãe conversava com uma amiga na cozinha.
— Mas olha esse seu filho — a mulher disse. — Está enorme!
Forcei um sorriso para não ser mal-educado.
— Filho, essa é a Kelly, lembra dela?
— Te segurei quando tu ainda era um bebê — ela sorriu. — Incrível como eles crescem rápido, né? O meu filho Juca também, tá achando que é adulto agora...Aproveitei o momento para sair dalí. Subi as escadas e me joguei na cama como sempre. Encarei o teto por alguns segundos, depois olhei para aquele rádio. Maldito rádio. Pensei em liga-lo, tentar contato comigo mesmo, mas acabei desistindo.
— Filho, a Kelly trouxe sorvete de Framboesa, quer um pouquinho?
— Não mãe. — Eu disse me perguntando o que diabos era framboesa.Peguei um caderno na escola e passei algum tempo rabiscando uma ideia qualquer, não sei quanto tempo gastei naquela brincadeira, mas sei que fizeram meus pensamentos sumirem por um tempo. Se desmancharam na ponta de minha caneta. Os minutos tornaram-se horas e enquanto o sol se desmanchava no horizonte, eu me desmanchava dentro de mim mesmo.
Três batidas na porta.
— Entra.Ariane não disse nada, vestia uma camiseta regata um pouco carga e seus cabelos negros caiam pelos seus ombros. Usava uma mochila preta que pendia em apenas um dos braços. Ariane era muito bonita.
— Olá? — Eu estava um pouco na dúvida sobre o que ela estava fazendo ali.
— Diga aos seus pais que você vai dormir na casa do Wallace. Temos muito trabalho a fazer essa noite. — Ela não se livrou da mochila.
— Do que você está falando?
— Agora, Ed.
— O que temos que fazer?
— Por favor.
Assenti.Depois de encher minha mochila com duas cuecas, calça e camiseta eu desci as escadas junto com Ariane. O coturno de couro fazia a madeira do assoalho ranger.
— Pai, posso dormir na casa do Wallace? Temos um trabalho pra fazer e tal.
— Tá levando seu material escolar?
— Claro.
— Então vai logo antes que tua mãe veja e arrume motivos pra tu ficar.
— Obrigado pai!Assim que saímos na rua eu comecei a andar na direção da casa de Wallace, mas Ariane me puxou pela mão na direção contrária. Não consegui entender aquilo.
— O Wall está indisposto hoje. Temos que fazer isso sozinhos.
Eu já estava na rua mesmo, por isso assenti. Ariane colocou a mochila pra frente e tirou de lá um touca preta — que era a cara dela —, e colocou na cabeça. Eu não gostava de andar pela rua no meio da noite. Sempre tive medo de ser assaltado, embora se alguém me assaltasse não teria muito o que levar.
— Quer um? — Ela estendeu um chiclete. Recusei. — Mais pra mim.
Ariane colocou o chiclete na boca.
— Onde estamos indo?
— Importa? Você tá comigo, não é? Pro que der e vier.
— Claro que sim, Ari.
— Então é isso.Eu não sabia onde estávamos indo, mas senti um frio na barriga. Algo iria acontecer, e não seria nada bom. Estávamos andando em direção ao centro, mas ainda bem longe. Ficava cada vez mais frio e eu me arrependi de não ter pego outro casaco. O que eu tinha dito era verdade, eu estava com ela para o que desse e viesse.

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88Hz
AvventuraUma garota que foi embora, três amigos inseparáveis, uma promessa e um velho rádio. 88Hz conta a história de Eduardo Caravela, um jovem de dezessete anos que, depois que o amor de sua vida vai embora, conta com a ajuda de seus melhores amigos para...