Uma Última Tentativa

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Cinco dias antes de ela ir embora

Eu não conseguia dormir. Fazia dias que Valentina não queria falar comigo. Me ignorava, mas eu conseguia ver o olhar triste que ela carregava. Primeiro eu não conseguia aceitar que ela fosse embora. Eu não aguentaria um minuto sem ela. Não queria. Não poderia. Eu queria aquela garota comigo por cada segundo. Comecei a revirar as coisas dentro do meu quarto. Eu estava bravo. Por que ela não me amava tanto quanto eu a amava? Então eu me olhei no espelho.

A minha imagem refletida mostrava alguém que definitivamente não era eu. Eu tinha ódio nos meus olhos. Estava fora de mim. Os nós dos meus dedos estavam vermelhos de tanto dar soco nas paredes. Aquilo não era eu. É obvio que se eu agisse assim Valentina nunca iria me querer. Eu estava me portando feito um animal. Comecei a chorar. Eu precisei de uma noite inteira pensando nisso pra acalmar os nervos e entender que eu precisava deixa-la ir.

— É o pai dela — eu disse pra mim mesmo.

Passei o resto do meu tempo me convencendo de que ela voltaria. De que depois que o pior acontecesse ela precisaria voltar a morar com o irmão. Ela precisaria de alguém próximo. Ela precisaria do meu apoio. E foi assim que eu dormi naquela noite, pensando em quando ela iria voltar antes mesmo de ela ir embora.

Acordei na manhã seguinte me sentindo alguém diferente. Senti que eu poderia aguentar um tempo sem o amor da minha vida. Mas foi quando aquela carta chegou. O envelope típico de Valentina estava na porta. Abri pra ler.

"Querido Eduardo,
Não pensei que não amei cada momento com você. Nunca pense que não te amei de verdade ou qualquer coisa assim. Juro-te que meu coração vai ser pra sempre teu. Mesmo que eu tenha conhecido um Eduardo diferente nesses últimos dias. Alguém que só pensa em si mesmo e como tudo que importa é o que ele sente. Eu sei que tá doendo, Eduardo. Eu sei. Mas não ache que a dor é exclusivamente sua e não existe do lado de cá. Eu estou perdendo o meu pai. O homem que me criou e você não sabe o quanto isso me destrói. Quebra cada pedacinho meu por dentro. Eu sei que não parece, mas meu coração é feito de vidro. Eu vou sim fazer de tudo para ajudar meu pai nesse momento e melhorar a sua vida de qualquer jeito. Você é um garoto esperto. Está cego agora, mas hora ou outra vai enxergar o mundo como um todo. Vai entender que nada é absoluto. Que não existe o certo e o errado. Você vai entender o que eu sinto. Eu acho que não posso mais ficar com você. Nunca mais. Nosso perturbado relacionamento chegou ao fim, mas não se preocupe. Você vai conhecer outras pessoas. Vai viver sua vida normalmente. Não, eu não vou mais voltar, por isso não se preocupe em lembrar de tudo a cada vez que me ver. Eu só espero o melhor pra ti Eduardo.
Eu te amo.
Até meu último suspiro.

Sua enfermeira cuidadosa."

Quando terminei de ler a carta meus olhos estavam cheios de lágrimas. Então voltou a fúria. A raiva que eu tanto odiava sentir. Rasguei a carta e joguei no chão. Ainda bem que não havia ninguém em casa para ouvir o grito que eu dei. Então eu voltei a chorar. E chorei mais. Chorei tanto até que fiquei com uma dor de cabeça horrível. Eu não aguentava mais.

Fui até a casa dela, mas não a chamei. Apenas fiquei observando de longe como um verdadeiro maluco. Sentei na calçada na esquina e fiquei lá parado, esperando alguma coisa acontecer. Nada. Ninguém saiu, ninguém entrou. Nada. Então eu fui até a frente da casa dela e bati palmas. Ninguém atendeu. Onde ela poderia estar?

Tentei lembrar de algum lugar e só me veio um. A velha ponte de rio grande. Corri pra lá o mais rápido que pude. Eu sabia que ela estava lá, ou menos convenci a mim mesmo de que essa era a verdade. Enxuguei minhas lágrimas pois não queria que ela me visse chorando.

— Valentina? — Gritei quando eu cheguei lá. Ela estava debruçada no parapeito olhando a agua lá embaixo. — Valentina!

Me aproximei o máximo que pude dela, mas ela não virou o rosto pra mim.

— Por favor. Eu aceito que você vá. Mas só quero que você volte.
— Sabe Eduardo — ela disse sem olhar pra mim. — Não importa o quão delicado você for quando jogar alguém de um precipício. A queda sempre vai ser fatal.
— Eu não entendo.
— Me desculpa. Não posso voltar.
— Mas eu te amo. Amo muito. Amo mais que tudo.
— A intensidade do sentimento equivale ao tamanho da decepção.
— Para com isso Val.
— Desculpe.

Ela finalmente virou pra mim. Estava chorando também. Eu a abracei, mas ela não me abraçou de volta. Ela permaneceu parada. Eu não entendia.

— Tu ainda vais entender. Um dia. — Ela disse. — É melhor pra nós dois.
— Tu tá me jogando do precipício, Val.
— Tu ainda não sabes nada sobre cair de precipícios.

— Você não está sozinho. — Ela disse. — Nunca esteve. A realidade me puxa pra um lugar diferente agora e eu vou fazer o que preciso. Não quero que ninguém mais sofra. Um dia você vai ter outros olhos e se tudo der certo não vai ter raiva. Desculpe por fazer você se sentir assim. Juro que dói te ver chorar, dói mais ainda chorar sabendo que te machuco. Mas infelizmente eu não tenho escolha. A escuridão nos impede de ver naquele momento, mas a luz nos cega pra sempre.
— Parece que você tá falando em código Val. O que são essas essas metáforas? Eu não tô entendendo nada.
— Qual seria a graça de a gente entendesse tudo logo de cara?

Ela começou a andar pra longe de mim, me deixando ali. Sozinho naquela ponte sem fim que eu nunca terminei de atravessar. Com meu coração em pedaços.

— Até meu último suspiro — gritei. Ela se virou e em meio as lágrimas que escorriam ela sorriu.
— Até meu último suspiro.

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