Um Mar de Emoções

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Cinco meses antes de ela ir embora

Não pedi Valentina em namoro, não cheguei para seus pais e pedi sua mão, foi mais intenso que isso. Nós nos tornamos namorados, palavras não foram necessárias para concretizar nossa união. Nos encontramos enamorados, saiamos todo fim de tarde e vagamos pelas ruas do porto, ela me fazia de bobo e se escondia, eu procurava por ela, e quando encontrava ganhava um beijo apaixonado.

— Já começou a ler Dom Casmurro? — Perguntou ela, se equilibrando no meio-fio da calçada, usava calça jeans e uma camiseta amarela larga.
— Ainda não — respondi. — Mas vou.
— Começa logo, tenho uma infinidade de livros que preciso fazer você ler, caso contrário, do que falaremos? — Ela sorriu e eu retribui.

Estávamos como sempre perto das fábricas, poucas ainda funcionavam. A que meu pai trabalhava era uma que poderia fechar a qualquer momento, mas eu não gostava de pensar assim, não gostava de pensar negativo.

Eu estava pensando no que faria da vida, com o que trabalharia e o que seria. Eu não tinha certeza de nada e meu futuro parecia somente uma estrada nublada.

— O que você quer ser? — Perguntei. — Quando crescer?

Ela parou e olhou pra mim, levou o dedo indicador até os lábios, coisa que costumava fazer quando estava pensando. O sorriso dela era meigo e misterioso.

Hm — ela sorriu. — Talvez fotógrafa. Gosto das imagens, captura-las.
— Eu não sei o que quero fazer da vida.
— Deveria ser escritor.
— Eu nem nunca li livro algum, como poderia?
— É só ler — ela riu. — E assim você sempre escreveria vários livros, e eu sempre poderia lê-los todos. Não iria ser perfeito? Você escreveria pra mim. — Sorri com a ideia, mas era distante, eu não gostava nem de escrever redações na escola.
— Claro.
— Promete? Promete que vai escrever vários livros pra mim?
— Prometo.

Estávamos perto do quadrado, local onde alguns barcos de pesca ficavam ancorados, era uma piscina natural em forma de cubo, com uma passagem para os barcos entrarem pelo canal São Gonçalo. Valentina se sentou na beirada, tirou a delicada sapatilha e colocou os pés na agua, sentei ao lado dela.

— Acha que vamos ficar juntos pra sempre? — ela riu. — Esquece, é muito cedo pra isso, não?
— Não. Nós vamos ficar juntos pra sempre sim, eu prometo. — Prometi, como um garoto de 16 anos faria. Promessas são fáceis quando somos jovens, pois acreditamos ser capazes de fazer o impossível, temos a vida toda pela frente e toda a força de vontade do mundo. Prometer é a coisa mais fácil do mundo, afinal são só palavras, cumprir essas promessas que é o difícil.
— Que bom que você é otimista — ela apertou minha bochecha. Na verdade eu não era, mas ela tinha essa áurea de felicidade que me contagiava sempre que eu estava perto dela, era impossível não sorrir olhando para aqueles olhos brilhantes.

Ela pegou uma pedrinha e jogou na agua, quicou três vezes antes de afundar. Estava calmo e sem ondas, como era de costume por ai. Naquela época os jovens não iam lá para usar drogas e beber, como fazem hoje em dia.

— Você já namorou antes, Val?

Ela olhou para mim e deu um sorriso, porém não respondeu a minha pergunta. Não me atrevi a repeti-la, não queria ser desrespeitoso, fiquei observando seu sorriso enquanto ela continuava jogando várias pedrinhas na agua, seus pés balançavam e eu me sentia tão feliz.

— Do que você se arrepende? — perguntou ela.
— Como assim?
— O que você se arrepende de ter feito?

Não entendi se aquela pergunta tinha algum significado obscuro ou escondido, mas procurei por entre minhas memórias quaisquer arrependimento que pudesse compartilhar com Valentina, e eu queria achar. Queria mesmo conversar sobre algo e contar grandes histórias de coisas que eu me arrependera, porém não encontrei nada.

— Acho que nada — respondi. — Pelo menos não que eu me lembre.
— Você lembraria. Sinal de que você tem que fazer mais coisas, os momentos mais divertidos são aqueles que nos arrependemos. Meu escritor preferido, Alexander Drupret, tem uma frase que eu gosto muito: Se você não se arrepende de nada, você está vivendo a vida muito errado ou você é um imbecil.
— Linda frase, chorei aqui — ironizei. — Podemos fazer alguma coisa.

Ela me fitou com aqueles lindos olhos que brilhavam junto com o sol.

— Você não se arrepende de ter caído na agua hoje?
— Mas eu não cai na agua hoje — argumentei.

Ela me encarou com aquele sorriso levado e leve. O vento bateu em seus cabelos e ela precisou tira-los de seu rosto, então ela me empurrou.

Cai na agua gelada e fiquei submerso por cerca de três segundos. A agua não era a mais limpa ou a mais agradável. Quando submergi Valentina gargalhava na ponta do cais de concreto enquanto eu tremia de frio.

— Quando eu sair daqui vou te empurrar também — ameacei.
— Não vai ser preciso, bobinho.

Ela deu alguns passos para trás, jogou sua mochila no chão junto a minha, correu para tomar impulso e pulou. Acertou a agua encolhida como uma bola de canhão e jogou mais agua em mim. Seus cabelos colavam em sua pele pálida e por entre os fios negros e grossos ela tinha aquele sorriso perfeito.

— Já se arrependeu? — perguntou ela.
— Ainda não — respondi antes de beija-la.

Cheguei em casa naquela tarde ensopado. Assim que entrei minha mãe olhou pela janela para verificar se chovia, depois me encarou com uma expressão de confusão.

— Longa história, mãe.
— Ah, quer saber? Eu não ligo — disse a minha mãe. — Essas coisas de jovens já não me importam, se você e seus amigos quiserem tomar banho no esgoto, tá certo. Mas vê se toma um banho depois — ela se virou em direção a cozinha, mas depois voltou. — E ah, chegou mais uma carta da sua namorada, tá perto do telefone. Aliás vê se avisa ela que o telefone existe.
— Tá bom mãe — eu já estava subindo as escadas, mas voltei para pegar a carta. Quando será que ela havia mandado? Minutos atrás daquele momento eu estava nadando com ela no quadrado e já tinha uma carta dela quando cheguei em casa, aquela garota era incrível.

Peguei a carta estava junto ao telefone de disco e um pequeno caderno de anotações. Subi para meu quarto em passos rápidos e tirei aquelas roupas molhadas que estavam me incomodando. Minutos depois, devidamente seco e cheiroso, abri a carta enquanto estava encostado em meu travesseiro na cama.

"Querido Aventureiro, no momento que receber esta carta já terei lhe dado meu livro preferido, Dom Casmurro. Sei que de início você não vai gostar, mas tu precisas dar uma chance as coisas que você não conhece para que elas possam te conquistar. O livro que te dei é de uma edição do ano de 1984, não sei bem o motivo, porém gosto desse ano. Acredito que seja porque é o ano de De Volta Para o Futuro. Você viu esse filme, né? Se não tiver visto corre para locadora e alugue uma fita imediatamente. Só queria te dizer que enquanto escrevo essa carta pra você, as estrelas brilham lindamente no céu. Caso você não saiba, um dia eu vou voar por entre as estrelas. Enfim, uma boa noite pra você, embora eu não saiba em que hora do dia você esteja lendo isso. Beijos.

Sua Enfermeira Cuidadosa."

Sorri sozinho, aquela garota tinha um modo de escrever que mexia com meus sentimento. Aliás, tudo que ela fazia mexia comigo, quando ela escrevia, falava, quando se calava, quando se levantava e até não fazia nada. Ela era meu ponto forte, meu ponto fraco. O que me fazia viver e também o que me matava.

Peguei o livro que ela havia me dado e observei sua capa. Devo confessar que pareceu-me chato e sem graça, mas comecei a ler para agradar Valentina, e isso foi uma das coisas que posso colocar na minha lista de coisas que nunca vou me arrepender.



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