Um mês depois de ela ir embora.
Seria mais fácil dizer que acordei cedo naquela manhã em que Wallace dormiu em minha casa, mas a verdade é que não preguei o olho nem por um segundo durante a noite. Encarava o teto manchado repassando todas as falas do homem no rádio. Como poderia tudo aquilo ser possível? Embora estivesse cansado, o sol já havia nascido e eu precisava levantar, ouvi a voz do meu pai no andar de baixo e resolvi falar com ele antes que fosse trabalhar.
Me levantei da cama e tive cuidado para não pisar no rosto de Wallace, que dormia de bruços atirado no chão, roncava, porém não muito alto. Desci as escadas e encontrei meus pais tomando café, me receberam com um sorriso.
— Acordado tão cedo? – Perguntou minha mãe.
— Está tomando jeito – riu meu pai. – Mas teu rosto tá horrível, pelo jeito não dormiu bem, não é? Vai passar meu filho. O tempo cura tudo.Sentei-me à mesa, não tinha fome. Encarei o pão quentinho e senti o cheiro de café com leite, mas nada disso me animou. Eu sentia uma mistura de descrença com confusão.
— Pai – proferi. – Me conta outra vez aquela história do vovô na guerra, em que ele foi salvo por alguém no rádio?
— Mas agora?Assenti com a cabeça.
— Certo. Não lembro o dia exato, nem sei se ele chegou a me dizer, talvez nem ele mesmo soubesse. Estavam viajando através da Itália, precisavam fazer um trecho a pé para que não chamassem atenção, estava muito calor e todos estavam cansados quando decidiram parar por algumas horas – ele tomou um gole de café. – Meu pai disse que se encostou em uma pedra, estava tudo tão silencioso, uma área rural e pouco movimentada. Francisco Caravela Marietto fechou os olhos e entrou naquele estado de relaxamento, estava quase dormindo quando ouviu um barulho rasgando o céu. Era um bombardeio. A explosão não pegou em cheio os soldados que descasavam, eles tentaram correr mas mesmo assim muitos se feriram. Foi meu avô que pediu ajuda pelo rádio, mas veja só, quem estava do outro lado da linha era um garoto – meu pai riu.
— E o que o garoto disse?
— Os alertou. Disse que o bombardeiro voltaria e uma nova explosão acabaria com eles. Contou a meu avô de uma caverna não muito longe dali, não sabia como ele poderia saber disso, mas a caverna era real. Levaram os soldados feridos e todos os outros e esconderam por algumas horas. O bombardeiro voltou e soltou mais uma bomba, ninguém se feriu.Fui eu. Pensei. Eu avisei meu avô. Mas como isso era possível eu não sabia. Porém eu sabia da caverna por causa da história que meu pai já havia me contato, nunca pensei que eu poderia ter falado isso. É um looping infinito.
— Obrigado pai, já havia me esquecido.
— Nada – ele olhou o relógio. – Droga, já tô atrasado, tenho que ir querida — ele se despediu de minha mãe com um beijo e esfregou meu cabelo antes de sair pela porta.Wallace apareceu na escada com o cabelo bagunçado e uma cara de sono, usava seu pijama listrado e provavelmente não tinha ideia de onde estava.
— Tô com fome – disse ele pra mim.
— Wallace – sentenciou minha mãe. – Venha tomar um café, ainda é cedo. Faltam mais de uma hora pra vocês irem pra escola.Ele se juntou a minha mãe na mesa e eu voltei a subir as escadas. Ainda tinha o mesmo sentimento estranho. Procurava palavras para descrever, porém não achei nenhuma. Olhei pela janela de meu quarto esperando que a chuva se mantivesse forte, assim teria um motivo para não ir à escola, porém ela havia cessado, restavam apenas as poças solitárias no chão. Voltei a olhar o rádio ali parado, que tipo de magia era aquela? Me vesti.
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88Hz
AdventureUma garota que foi embora, três amigos inseparáveis, uma promessa e um velho rádio. 88Hz conta a história de Eduardo Caravela, um jovem de dezessete anos que, depois que o amor de sua vida vai embora, conta com a ajuda de seus melhores amigos para...