Quinze dias pra ela ir embora
Valentina observava seu reflexo nas agua do chafariz da praça Coronel Pedro Osório. Estava passeando com cães para ajudar financeiramente em casa. Fiz questão de ir com ela, afinal eu tentava ajuda-la como eu podia. A verdade é que minha visão de Valentina era que ela era de vidro, como se qualquer momento pudesse quebrar em minhas mãos. Por isso nunca queria que ela fizesse nada muito trabalhoso ou se esforçasse em nada. Hoje em dia percebo que era uma atitude extremamente idiota, que quando eu fazia isso eu acabava sufocando a garota que eu amava e a impressão que ela tinha era de que pensava que ela era incapaz de fazer as coisas sozinha. Mas é claro que ela não me falava nada disso. Pra ela meu coração que era de vidro e ela tinha medo de usar alguma palavra errada e me magoar. E acho que ela tinha razão.
Por algum motivo eu levava todos os sentimentos ao extremo. Eu não conseguia ficar simplesmente triste ou feliz. Era eufórico ou depressivo. Sempre fui mais exagerado do que o Cazuza.
— No que tá pensando? — Perguntou ela ao molhar o rosto com a água do chafariz com uma mão, segurando a corda com dois cachorros com a outra.
— Em como um garoto feio foi conseguir uma coisa linda que nem tu.
— Pra começar tu não é feio. E eu não sou nenhuma grande coisa.
— Dizem que as borboletas vivem a vida toda sem ver a própria beleza. Você é tipo uma borboleta.
— Blé. Que frase boba.
— Não é boba.
— Tá bom.Começamos a andar. Ela segurava dois cachorros, eu três. Por ela é claro que levaria todos, mas eu não deixei. O sol estava brilhado no céu e não tínhamos pressa. Confesso que me sentia entediado em momentos como aquele. Valentina tinha me acostumado com uma rotina de coisas malucas e invadir lugares, mas então ela mudou. Não que fosse culpa dela, afinal o pai estava doente e ela muito triste, mas eu sentia falta da antiga Valentina.
— Acho que eu vou cursar enfermagem — disse ela.
— Minha enfermeira cuidadosa — ri.
— É sério. Eu até faria medicina, mas sei lá. Muito difícil.
— Que nada, se é o que você gosta... tenta.
— Melhor não.
— Doutora Valentina. Soa bem.
— Você acha?
— É claro que sim.
— Vou pensar nisso.Um das cachorros que ela segurava começou a latir para um outro cachorro de rua. Tentei pegar a guia da mão dela, mas ela me lançou um olhar que dizia "Eu posso fazer isso sozinha". Me senti envergonhado, mas ela não comentou nada.
— Edu?
— Oi amor.
— Eu preciso te contar uma coisa. É algo sério.Senti um frio na barriga que subiu pela espinha e tomou conta do meu corpo.
— Fala.
— Não sei.
— Não me assusta Val. O que foi?Ela abaixou a cabeça, pude ver que algo estava errado. Muito errado. Comecei a tremer involuntariamente. Quis ficar tranquilo mas a tranquilidade não veio.
— É que...
— Fala logo Valentina. — Fui mais grosso do que eu deveria.
— Eu vou embora.Meu mundo caiu. Eu não sabia o que falar, não sabia o que fazer. Durante um segundo tive uma imagem na minha cabeça de como seria o meu mundo sem Valentina. Era triste e solitário. O tipo de mundo que eu não queria viver.
— Vai embora? Pra onde? Como assim?
— Eduardo...
— Como assim?
— Meu pai foi diagnosticado com um problema seríssimo no coração. Ele disse que não quer morrer aqui. Quer rever seu pai, quer andar a cavalo, quer viver a vida um pouco antes de morrer. A situação dele é séria Eduardo.
— Como você pode fazer isso comigo?
— Eduardo. Não tem relação nenhuma contigo. Eu te amo muito, mas você tem que entender que entre tu e meu pai, a família vem em primeiro lugar.
— E a gente não é uma família? O que a gente tem não é uma merda de uma família, Valentina? Você vai simplesmente me deixar pra trás? — Soltei a guia com os cachorros e ela pegou rápido do chão.
— Não Eduardo. O que a gente tem é um namoro. É uma relação. Família é quem nos cria, com quem a gente nasce. É uma dívida que não tem existe como pagar.
— Caralho Valentina. Tu vai mesmo me deixar aqui por causa do teu pai? Ele vai morrer de qualquer jeito, não vai?
— Eu não acredito que tu disse isso — seu rosto ficou sério. Me arrependi no mesmo segundo de ter proferido aquelas palavras. Meu coração palpitava e parecia que iria sair pela boca. — Além de muito infantil tu tá sendo um cretino.
— Eu te amo Valentina.
— Vai pra casa, tá? Sério.
— Não. Fica comigo.
— Eduardo, eu estava realmente pensando em voltar depois de... depois de acontecer o que tu acabou de gritar aos quatro ventos que iria acontecer. Mas sabe, agora eu nem sei mais.
— Val, me desculpa. Eu perdi a cabeça.
— Vai pra casa Eduardo. Por favor, vai pra casa.,
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88Hz
AdventureUma garota que foi embora, três amigos inseparáveis, uma promessa e um velho rádio. 88Hz conta a história de Eduardo Caravela, um jovem de dezessete anos que, depois que o amor de sua vida vai embora, conta com a ajuda de seus melhores amigos para...