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Madrugada

Um mês depois de ela ir embora

— Me dá um pedaço desse chocolate – disse Ariane. Israel passou a barra para o banco da frente do fusca e ela pegou rapidamente. Os únicos barulhos eram do motor funcionando e de Ariane devorando toda a barra de chocolate sozinha.
— Falta muito tempo pra chegarmos? – Perguntou Israel.
— E pra onde estamos indo?
— Que saco – disse Ariane. – Vocês fazem perguntas demais. Enchem o saco demais. Não dá pra só curtir o momento?

Eu estava tendo dificuldades para curtir aquele momento, afinal, estar em um fusca pequeno no meio da madrugada com dois chatos e uma mandona, sem saber pra onde estava indo e ainda arriscando a vida com um motorista não habilitado que tinha problema pra fazer curvas, bem, esse não era meu programa preferido para o sábado à noite.

— Eu tô com sono, só isso – disse.
— O bebê tá com soninho? Viu Wall? O bebê tá com soninho – zombou Ariane.
— Quer mamar um pouquinho? – Disse Wallace.
— Vai à merda.

Seguimos em silêncio, Wallace sugeriu que cantássemos uma música, porém ninguém estava realmente com saco pra fazer nada disso. Eu ficava olhando pela janela as luzes dos postes que passavam ligeiro, algumas gotas de chuva caiam no vidro e escorregavam para trás deixando um pequeno rastro.

O carro parou. Estranhei, pois não parecíamos ter chegado a lugar algum. Estávamos em Rio Grande, em um bairro residencial. Mudei do estado de quase dormindo para o estado de super alerta em um segundo. Wallace saiu do carro e Ariane também. Eu e Israel os seguimos. A rua estava escura a não ser pela luz que alguns postes emitiam, outros nem sequer funcionavam.

— Certo companheiros de aventuras. – disse Wallace subindo no capô do fusca, ele havia colocado uma coroa de papelão na cabeça. – Eu, o rei Wallgurt e a minha conselheira Aryan criamos um objetivo para nossa ordem. E vocês, súditos e guerreiros irão entrar no nosso plano.
— Que negócio idiota – disse Israel. – Tu tá drogado?
— Cala a boca Israel – disse Ariane segurando uma espada de brinquedo.
— Eu e Aryan criamos o desafio dos 30 Nuncas.
— Desafio dos 30 Nuncas? – perguntei.
— Queridos – começou Ariane. – Hoje começa um período de um mês que mudará a vida de vocês. Iremos fazer coisas que nunca imaginamos fazer, e já começou. Hoje o Wall fez algo que nunca pensou que iria fazer, roubar o carro do seu padrasto tirano e maléfico. Israel, você provavelmente nunca viajaria pra lugar algum já que você vive apenas na sua zona de conforto – ela riu. – E olhe você aqui, viajando até a cidade vizinha com seus amigos.
— Amigos... sei – disse ele.
— Cala a boca Israel – Ariane e Wallace disseram em coro. — Vou enfiar essa espada na sua orelha e fazer sair pela outra — ela completou.
— Às vezes tu me assusta — Israel disse.
— E você Ed – recomeçou Ariane. – Pensou que ficaria pra sempre recluso no seu quarto com apenas seus sentimentos remoendo as mesmas memórias? Hoje você deu um passo à frente na sua vida. Durante trinta dias fazemos trinta coisas que nunca pensamos que faríamos, e antes que qualquer um de vocês diga "Eu nunca vou fazer isso" vocês irão fazer e pronto.
— Viemos até aqui só porque nunca faríamos isso em um dia normal? – Perguntei.
— Poderia ser – disse Wallace. – Mas não. Eu vou fazer outra coisa que eu nunca faria essa noite. Me diz Ed, o que eu mais odeio fazer?
— Tomar banho?
— Além disso, Ed. O que eu mais odeio?
— Gastar dinheiro com os outros?
— Bingo! Meu amigo. Alguns meses atrás você me falou de um velho em Rio Grande que estava vendendo um monte de tranqueiras velhas, o tipo de lixo que você adora – ele riu. – O fato é que eu marquei com ele hoje. Aqui. Esta noite.