Até

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O dia que ela foi embora.

O dia amanheceu nublado. Eu tinha algumas horas pra convencer Valentina a voltar pra Pelotas em algum momento. Mas eu sinceramente não tinha ideia do que fazer. Até tentei pedir ajuda para Wallace e Ariane, mas não os encontrei em lugar algum.

— Pai, o que eu posso fazer pra evitar que a minha namorada vá embora pra sempre e nunca mais volte pra me ver?
— Faz comida. Nenhuma mulher resiste a uma comida bem feita e temperada com um refrigerante geladinho. Eita. Que fome.

Ignorei os ensinamentos de meu pai e comecei a focar no meu próprio plano. Serrei alguns caixotes que estavam jogados no quintal da minha casa, lixei e cortei pra fazer uma pequena caixa de madeira. Usei uma dobradiça de janela para abrir e fechar. Pintei de preto por fora e branco por dentro. Saí pra roubar flores da vizinhança, peguei de todas as cores e tipos. Enchi a caixa com flores, comprei também vários tipos de chocolates e coloquei tudo lá dentro. Pra finalizar passei uma fita vermelha.

A caixa preta com a fita vermelha tinha um contraste bonito. Era a primeira parte do plano. A segunda era a música. Sim, eu tinha feito uma música para ela, não muito diferente das outras que eu havia escrito. Mas essa tinha algo a mais.

Seus olhos negros
Encontraram os meus.
Entre tantos jardins
Seu amor floresceu no meu.

Se mil vozes gritam
Só ouço tua voz.
A verdadeira poesia
Se faz quando estamos a sós.

E mais uma vez
Te vejo partir assim
Só torço pra que
As marés te tragam pra mim.

| Porque viver não faz sentido
| Sem você aqui
| Se aventurar não tem sentido
| Sem você perto de mim.

| Somos todos feitos de histórias pra contar.

Quando eu terminei achei uma das coisas mais clichês que eu já escrevi, mas não tinha muito tempo. Era aquilo que eu tinha e eu tinha certeza que ela pararia pra ouvir. Preparei o violão nas costas e a caixa debaixo do braço e parti em direção a casa de Valentina. Eu estava suando. Conforme me aproximava da casa dela eu percebia o quão bobo tudo aquilo era. Como a minha atitude era de uma criança apaixonada. Comecei me sentir mal, meu estomago embrulhava.

— Valentina? — Gritei no portão da casa dela com o violão nas mãos.

Assim que vi uma sombra na janela já toquei o ré maior, só depois percebi que se tratava de seu irmão.

— Ela não tá.
— Sabe onde ela foi?
— É o ultimo dia dela com os cachorros. Quis se despedir, eu acho.

O último dia dela na cidade e ainda sim tinha tempo para levar os cachorros pra passear, sem tempo pra mim. Senti um novo embrulho no estomago conforme ia me deslocando pro centro da cidade, onde a maioria dos donos dos cachorros moravam e ela costumava passear com eles.

Durante o trajeto fui invadido com milhões de sensações contraditórias, enquanto planejava o que falaria pra ela depois que ela dissesse que voltaria pra mim, também planejava o que faria se eu precisasse viver o resto da vida sem ela. Durante nossa vida centenas de pessoas cruzam nossas vidas e cada uma delas tem o potencial de nos marcar para sempre. É claro que nem todas as pessoas usam desse potencial, pra falar a verdade a maioria entra e sai de nossas vidas como se nunca tivesse existido. Mas eu acho que eu sempre tive o defeito de me importar demais com as pessoas e esperar muito delas. Lembro de tantas pessoas que esqueceram de mim há muito tempo. Na vida de tantas outras pessoas eu sou só mais uma que entrou e saiu sem fazer a mínima diferença. Cada pessoa que sumiu da minha vida deixou um corte no meu peito e eu coleciono essas cicatrizes. Vivi metade da minha vida tentando não me importar com todo mundo. Com aqueles amigos que eu não via fazia dez anos ou com a primeira garota que eu me apaixonei na segunda série. Valentina me fez esquecer o mundo, mesmo que por alguns meses.

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