Dezesse Pt. II

40 3 4
                                    


Três meses antes de ela ir embora

Passei a mão por entre as cordas do violão, e mesmo que eu não soubesse tocar nada naquela época tentei tirar alguma nota, o que não funcionou. Um barulho metálico e sem nenhum sentido soou pelo quarto, e foi o barulho mais lindo que eu já ouvi.
— Você vai ter que cantar as músicas sertanejas que a sua mãe gosta. Ela só concordou em comprar se você fizesse isso. — Nós dois rimos.
— Claro Pai. Muito obrigado mesmo.

Descemos as escadas. Eu mal podia conter minha cara de felicidade. Encontrei Valentina e Ariane aos sorrisos no telefone. Desligaram assim que me aproximei. Ariane tinha o rosto neutro, mas Valentina acusava que elas haviam aprontado alguma coisa pelo seu olhar provocante.

— O que vocês fizeram?
— Nada — disse Ariane.
— Você vai ver — respondeu Valentina.

Voltamos para a garagem, onde Israel e Wallace jogavam basquete com uma bola imaginária. Os dois bobos estavam pulando de um lado para o outro, a cena foi cômica. Foi somente eu sentar no velho sofá que minha mãe abriu a porta.

— Tá na hora do parabéns!!! VAMOS PESSOAL!

Ela estava mais animada do que todos nós juntos. Minha mãe sempre foi exagerada e isso nunca foi algo ruim. Fui o primeiro a sair pela porta. O bolo estava em uma mesa de madeira no quintal dos fundos, perto da garagem antiga. Todo mundo estava ao redor da mesa e bastou me verem para começar o parabéns.

Nunca gostei dessa parte. Nunca soube o que fazer. Eu deveria bater palmas? Ficar olhando para os lados? Droga. Todo mundo batendo palmas, cantando e sorrindo. Eu aqui envergonhado. Sorri e fiz cara de idiota. O parabéns acabou.

— Com quem será? Com quem será que o Eduzinho vai casar? — Começou meu tio Jorge. Droga, sempre ele para deixar as coisas mais embaraçosas ainda.
— Vai depender, vai depender se a Valentina vai querer — continuaram, agora todos juntos em um coro. Queria enfiar minha cabeça dentro do bolo.
— Está ótimo! Obrigado! — Disse. Todos riram.
— Pra quem vai o primeiro pedaço? — Perguntou minha mãe.

É obvio que só havia um nome em minha mente, no caso Valentina. Mas senti que eu devia muita coisa aos meus pais por toda a dedicação de querer dar uma festa para que o meu aniversário fosse lembrado.

— Pra você Mãe. É claro que para você.
— Ah, obrigada filho!
— Agora sua mãe vai ficar se achando.
— O segundo é pra você, Pai!

O terceiro foi pra Valentina, o que a deixou feliz. Ela sempre disse que o três era seu número da sorte. Aos poucos os convidados foram se servindo. De repente uma música começa a tocar na frente de casa.

— É agora — diz Wallace.

Todos nós passamos pelo vão entre a garagem e vamos até a parte da frente, onde um daqueles carros de som toca "Feliz Aniversário" bem alto. Um boneco sai de dentro do carro e começa a dançar com o microfone na mão. É o Fofão.

— Feliz aniversário Eduardo! — Diz o Fofão antes de continuar a dançar.
— Que porra é essa? — Sussurro para Wallace.
— Ah, você vai ver.
Ouço risos.
De repente um outro carro de som vira a esquina, tocando outra música completamente diferente. O Fofão para de dançar e encara o outro carro. O Mickey desce, também com o microfone na mão. As duas músicas se misturam enquanto os dois homens fantasiados se encaram, ainda vestindo suas roupas.

— O que tu tá fazendo aqui? — Perguntou o Fofão no microfone.
— Não. O que é que tu tá fazendo aqui? — Os dois pareciam bravos. — Eu fui contratado. Acho bom tu se mandar antes que a coisa fique feia.
— Eu que fui contratado. Tá achando que isso é palhaçada?
— Entra no carro e some daqui.
— Como que é?

O Fofão jogou o microfone no chão e se aproximou do Mickey.

— Ah, tu é surdo?

Fofão empurrou o Mickey, que caiu sentado

— Calma gente — gritou a minha mãe.

Mickey dá um soco no fofão, que o deixa tonto, mas logo ele revida.

— Cala a boca vadia! — Disse um deles.
— Se matem então, seus merdas.
Minha mãe nunca fala palavrão, eu acabei rindo.

Todo mundo estava observando, alguns perplexos, mas a maioria adorando. Era meu aniversário de dezessete anos, eu havia ganhando um monte de coisa legal, tinha minha namorada linda e meus amigos junto comigo e além disso o Mickey e o Fofão estavam metendo porrada um no outro na frente da minha casa.

— Isso é fantástico — eu disse.
— Inesquecível — disse Wallace.
— Como vocês sabiam que isso ia acontecer?

Fofão estava chutando o Mickey no chão.

— Na verdade a gente não sabia — falou Ariane. — Está mais divertido do que eu pensei que seria. Acho que vou fazer isso todo final de semana.

Wallace me entregou uma garrafa de Wülerberg. Bebi um gole. O Mickey se levantou e empurrou o fofão no chão e começou a andar em direção ao fusca pintado cheio de corações com dois alto-falantes em cima. O Fofão ficou de pé e gritava xingamentos, estávamos todos rindo. Então o Mickey ligou o carro e acelerou na direção do Fofão, que rolou no capô e voou cerca de dois metros antes de cair no chão. Mickey já havia virado à esquina quando meu pai correu para ajudá-lo.

— Caralho — disse alguém atrás de mim.
— Acho que o Fofão morreu.

O pessoal relaxou quando o Fofão se levantou e tirou a máscara. Era jovem, cerca de vinte anos, tinha a barba mais ou menos cumprida. Senti pena do cara, de verdade. Quis que aquilo não tivesse acontecido.

— Vem, vamos entrar — disse Valentina.

E mesmo que eu estivesse submerso no mais fundo lago de coisas ruins, a voz dela me enchia de vida e de ar. Me enchia de vida e gratidão.



88HzOnde histórias criam vida. Descubra agora