Interferência

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Um mês depois de ela ir embora

A segunda-feira é sempre um saco. Três aulas de matemática seguidas. O pior era que o Wallace era muito bom naquilo. Eu me sentia tão mal por ainda ter que ir a aula, com tudo que eu sentia. Como de costume eu desenhava algo na última folha do caderno, se me lembro bem era um coelho com olhos tristes sentado em uma árvore cortada. Um lenhador sorria perto dele. Qual o problema? Dizia o lenhador. O coelho nada respondia. O coelho não queria brigar, só estava triste.

— Ed. — Chamou Wallace. — Ei, Ed!
— Fala.
— Olha o que eu tenho aqui — ele mostrou. Segurava em sua mão direita uma fita de jogo, eu não sabia bem qual, porém fiquei me perguntando o porquê dele trazer aquela fita pra escola.

— O que você tá fazendo com isso?
— Eu achei.
— Achou? Como assim achou?
— Bem... o Ricardo esqueceu no refeitório.

Claro. Ricardo era o ex-namorado de Ariane, e era tudo que nós não éramos. Bonito, forte e popular. Convenci a mim mesmo de que ele havia pego aquela fita somente porque não gostava do Ricardo, e que se fosse outra pessoa ele teria devolvido.

— Isso vai dar problema — eu disse.
— Já que os dois estão conversando... — disse Adelaide, a professora de matemática. — Que tal se vierem aqui no quadro e resolverem o problema? Se tem tempo para conversar é porque já aprenderam tudo.

Balancei a cabeça negativamente em sinal de desistência. Já ia falar que não sabia como resolver quando Wallace ficou de pé e caminhou até o quadro. Sem falar nada pegou o giz de cima de mesa e começou a montar a enorme conta sem nenhuma dificuldade. Para mim, era como se fosse uma outra língua. Adelaide ficou parada, olhando para Wallace enquanto ele resolvia tudo. E estava certo. A professora não sabia onde enfiava a cara.

— Muito bem — disse ela, sem jeito. — Está correto. Agora por favor, volte para seu lugar.

E Wallace voltou. Por sorte ela esqueceu da minha existência e não fez com que eu resolvesse problema algum. Olhei para meu melhor amigo e lancei aquele olhar que ele sabia exatamente o que significava. Como você fez isso? Perguntei com os olhos. E ele me respondeu com um olhar que eu também sabia exatamente o que significava. Eu sou o cara. Ri sozinho na minha mesa e continuei a desenhar em silêncio.

* * *

Quando o ultimo sinal, que anunciava o fim das aulas da manhã finalmente soou, eu tentava convencer Wallace a devolver aquela fita de videogame.

— Mas Ed. É o jogo do...
— Não importa — interrompi. — Se eles descobrirem a gente vai se dar muito mal. E quando eu digo a gente é nós dois. E olha que eu não fiz nada.
— Porra Ed. Às vezes tu é um pé no saco mesmo, viu?

Ele jogou a fita para mim. Mario Bros.

— Mês que vem a gente compra uma, beleza?
— Tanto faz Ed.

Ele colocou a mochila no ombro e saiu andando pela porta. Fiquei segurando aquela fita na mão. Às vezes o Wallace agia feito uma criança, chegava a ser irritante. Revirei os olhos antes de pegar minha mochila também.

Sai da sala com a fita na mão, estava indo em direção à sala da diretora, meu plano era entrega-la e dizer que achei no chão. Era um plano simples e até então sem riscos. O que poderia acontecer de errado? Pensei. Apenas pensei...

— Ei, moleque — ouvi uma voz atrás de mim. — Deixa eu ver isso ai que você tá na mão. — Era a voz de Ricardo. Estava séria, não olhei pra trás imediatamente, mas pude imaginar o garoto de quase dois metros me encarando com ódio.
— Eu estava levando pra diretoria — me explicava enquanto virava para olhar pra ele. Ricardo arrancou a fita da minha mão.
— Isso é meu. Foi tu que roubou?

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