Fugindo De Mim Mesmo

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Um ano depois de ela ir embora.

Depois de trabalhar com meu pai por quase um ano consegui comprar uma moto pra mim. Não a velha moto do meu pai, era uma moto só minha. A Yamaha Virago preta 250cc não estava nas suas melhores condições, mas eu arrumei as coisas que faltavam com a ajuda do meu pai. Aos poucos fui ganhando a minha liberdade nas ruas e bem, não sei ao certo de que vale a liberdade se você precisa voar sozinho. Os dias iam se tornando meses e cada vez eu percebia mais que nada na minha vida fazia sentido. Tudo era só um enorme vazio.

Quando a escola acabou no fim daquele ano Wallace começou a fazer faculdade, me disse que queria ser professor. Já Ariane não quis fazer faculdade alguma, ela encontrou uma arte só dela: A tatuagem. Algo que eu não sabia era que ela desenhava, muito melhor que eu aliás. Ela começou a fazer tatuagens em casa mesmo, em meio as garrafas de bebida da mãe, dois meses depois estava trabalhando em um estúdio de tatuagem e ganhando seu próprio dinheiro. A primeira coisa que ela fez foi alugar um apartamento só pra ela. Israel deixou de estudar pra trabalhar na loja de móveis do pai. E Fábio, bem... Fábio eu não sei.

Conforme os meses passavam eu me distanciava cada vez mais dos meus amigos. Não que eu quisesse isso, mas a gravidade da vida puxava cada um pra um canto, e eu me sentia flutuando no vácuo. Parecia que meu lugar simplesmente não era mais ali, que eu nunca conseguiria ser feliz naquele lugar. É impossível seguir em frente sem deixar o resto pra trás.

Tínhamos cada vez menos tempo para nos encontrarmos, todo mundo estava sempre ocupado, menos eu. O meio período que eu trabalhava na fábrica com meu pai ajudava a manter a mente ocupada. Ele era supervisor e eu trabalhava no setor de despache. Separava as caixas de wülerberg que iriam para cada canto do estado. Pra falar a verdade era um pouco chato, o tempo passava devagar, mas eu não tinha muita escolha.

Enfim chegou o dia que eu disse pros meus pais que eu iria embora. "Pra onde você vai, filho?" e "Você só tem dezoito anos" foram as primeiras coisas que eles responderam. A verdade é que nem eu sabia muito bem o meu destino. Eu iria pegar a minha moto com uma mochila nas costas e descobrir onde ela me levaria. Descobrir novos mundos, novas vidas.

Mas ainda demoraram muitos anos até que isso realmente acontecesse. Saí de Pelotas no dia 3 de março de 1998. Eu não sabia onde a maré me levaria e não tinha ideia se eu não acabaria voltando pra casa dali três dias ou dali três anos. Mas não foi nada isso que aconteceu.

Eu já estava montado na moto com a minhas coisas em cima dela quando fui até a nova casa de Wallace. Ele havia se mudado, haviam muitas memórias ruins na antiga casa e tenho certeza que nem ele e nem sua mãe aguentavam olhar para aquelas paredes. A nova casa de Wallace ficava no Navegantes, era até mais simples que a anterior, mas eu podia notar no seu rosto que ele estava mais feliz.

— Então é isso? — Ele perguntou quando me viu. — Você vai só... ir embora? Sem rumo, sem planos, sem mapa? — Na realidade eu tinha um mapa.
— Acho que minha vida vai ser um eterno nunca.

Nos abraçamos.

— Vou sentir sua falta, cara.
— Você foi um ótimo amigo Wall. Obrigado por tudo.

Subi na moto e coloquei o capacete. Wallace sorriu quando eu acelerei a moto. Eu não queria me despedir de todo mundo, nunca gostei de despedidas, mas havia mais uma pessoa com quem eu precisava falar antes de sumir.

O estúdio que Ariane trabalhava ficava no centro da cidade. Fazia pelo menos uns três meses que eu não a via. Deixei a moto na frente do estabelecimento de paredes vermelhas e portas de vidro. Entrei.

Quase não a reconheci. Estava apoiada no balcão vermelho com uma parte de vidro em cima. Usava uma camiseta rasgada sem mangas que deixavam seus braços, agora tatuados à mostra. Ela se virou pra mim e sorriu. No rosto usava um óculos e um lenço branco amarrado na parte da frente.

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