Três meses antes de ela ir embora
Acordei na manhã do meu aniversário ansioso. Quando se é jovem é sempre bom fazer aniversário, geralmente significava presentes, as vezes uma festa. A verdade é que pouco importa se você está ficando mais velho, o que a gente quer mesmo é a gloria de ter um dia só nosso. O meu era todo dia dezessete de novembro.
— Feliz aniversário, dorminhoco! — Disse minha mãe.
Como todo ano, ela era a primeira a me parabenizar, depois meu pai. Tomamos café da manhã juntos, e como todo ano, haviam mais opções do que comer, embora eu soubesse que o dinheiro estava apertado. Vi minha mãe escondendo um bolo de chocolate enorme, me senti triste por imagina-la até tarde da noite confeitando o bolo.
— Então, vai trazer seus amigos aqui mais tarde?
— Eu tô meio velho pra festinhas, Pai.
— Velho? — Ele soltou uma risada seca. — Você não sabe nada sobre ser velho.Ele estava certo.
Tomei um banho longo naquela manhã de domingo do meu aniversário. Fiquei pensando no que meus amigos diriam quando chegassem ali mais tarde. De fato eu havia me afastado deles depois de ter começado a namorar com Valentina, e aquilo me fazia sentir culpado.
A primeira a me dar um presente foi minha mãe. Ela comprou as mais belas três camisetas do gosto dela. Pra ser bem sincero eu as achei horríveis, uma delas era até florida. Mas não disse nada. Eu nunca gostei de magoar meus pais, então só agradeci e cheguei a usar uma delas pelo resto do dia (não a florida). Ainda na parte da manhã eu já havia começado a receber telefonemas de parentes distantes que em qualquer outro dia do ano ignoravam minha existência e nem ligavam para saber se eu estava vivo.
— Feliz aniversário campeão! — Meu tio Jorge falou do outro lado da linha. — Precisamos marcar de jogar um futebol e beber uma gelada, você já tá na idade. E ai, pegando muitas gatinhas?
— Muito obrigado.
Fiz questão de ignorar tudo que ele dissera depois de "feliz aniversário". Deus sabia o quanto eu odiava aquela postura de alcoólatra do meu tio, e o quanto eu odiava futebol. Será que ele nunca prestou atenção em mim? Claro que não. Mas isso não é algo que eu realmente me importasse, afinal, eu também não dava a mínima para o meu tio Jorge. Nem pra ninguém.
Minha mãe convidou Valentina e seu pai para um almoço ao meio-dia. Quando eles chegaram, Valentina usava um vestido roxo bem solto que tinha um suave decote, quase me perdi nas linhas de seu corpo quando avistei seu pai, o Seu Luiz Carlos.
— Feliz aniversário — disse ele.
Vestia um terno azul escuro meio surrado, apesar da cara maltratada pelo tempo, ele ficava bem de terno. Os dois estavam muito bem vestidos e eu ali, de regata branca, bermuda de pijama e uma pantufa rosa da minha mãe.
— Tá um charme — sussurrou Valentina enquanto entrava.
— Cala a boca.
— Vem calar.Ela me provocava, por sabia que eu morria de vergonha de beijar na frente dos meus pais — ou do dela, mas nesse caro era mais medo do que vergonha. Ela não ligava, poucas coisas conseguiam deixar Valentina fora de si.
Acredito que o que mais incomodava Valentina era a incapacidade de fazer alguma coisa, embora em quase todas as vezes que ela quis algo, ela deu um jeito.
Na mesa, Seu Luiz conversou muito com meus pais. Valentina me olhava com ternura e sorria, mas as vezes me dava pequenos chutes por debaixo da mesa.
— Pra que fazer isso?
— É pra você lembrar que, posso até ser calmaria, mas também sou furacão.O furacão mais belo que eu já vi.
Que passaria pela minha vida.
Me arrasaria por completo.
E me deixaria sozinho.
Eu ainda sorriria.
Só de lembrar.

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88Hz
AventuraUma garota que foi embora, três amigos inseparáveis, uma promessa e um velho rádio. 88Hz conta a história de Eduardo Caravela, um jovem de dezessete anos que, depois que o amor de sua vida vai embora, conta com a ajuda de seus melhores amigos para...