Perdido

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Um mês depois de ela ir embora

— Ed. Ed. Acorda – a voz de Wallace soava na minha cabeça. – Acorda porra.

Abri os olhos com a sensação de que eles estavam cheios de areia. Eu me sentia mal, porém não tinha certeza do motivo. Olhei a janela úmida do fusca e vi o sol alaranjado começando a nascer por entre as casas no horizonte. Minha cabeça estava pesada e eu estava totalmente cansado. Olhei pra baixo e o rádio continuava em meu colo, intacto. Percebi que por causa do peso não sentia minhas pernas.

— Chegamos na sua casa – disse Ariane, estava no banco da frente e vestia o casaco de Wallace. – Já deixamos o Israel na casa dele, você ferrou no sono.

— Mas sai logo que tenho que chegar em casa antes do meu padrasto acordar.

Concordei com a cabeça e saí do carro ainda calado, estava tonto e cansado. Agradeci com um gesto e o fusca seguiu até virar à esquerda na rua. Carreguei o rádio pesado até a varanda e o coloquei no chão para abrir a porta, fez um pouco mais de barulho do que eu gostaria, mas ninguém acordou. Subir as escadas com aquele peso foi um pouco difícil, mas uma vez que estava eu meu quarto pus o rádio em cima da escrivaninha, ao lado do livro Dom Casmurro, do qual eu já havia lido milhares de vezes.

Essa foi uma das vezes que a gente só deita na cama e apaga, não houve tempo para longos pensamentos e metáforas sobre a vida, nem mesmo para repensar coisas que eu deveria ter dito em uma discussão de dois anos atrás. Não fiz planos ou relembrei os planos que um dia fiz, apenas desmaiei na cama sozinho.

Me desmanchei.

Quando despertei a luz do sol já havia se infiltrado no meu quarto fazendo com que tudo ficasse claro. Me levantei ainda cansado e tomei um banho quente como de costume. Quando olhei as horas percebi que já passava de uma da tarde. Me admirei que minha mãe ainda não tivesse me acordado. Sentei na cama ainda com a toalha meio sem vontade de viver mais um dia, sem vontade de fazer droga nenhuma.

Encarei o rádio ali parado, perdido no tempo. Cheguei mais perto e sentei na cadeira da escrivaninha. Era de uma cor cinza escuro e feita de metal, passei a mão para tirar o pó e algumas inscrições ficaram visíveis na parte de fora.

"Magma Dinâmica – Suitcase Radio"

Junto a pequena inscrição ficava um símbolo estranho, era redondo e tinha vários pequenos traços a seu redor, tinha algo como um triangulo no meio com outros traços, não me lembro bem, pra falar a verdade.

Abri as duas travas, uma de cada lado da maleta e a abri, olhando pela primeira vez com cuidado a parte de dentro. Havia um transmissor com apenas um botão giratório para regular a frequência, uma pequena antena que abria e fechava, um microfone preso a um fio encaracolado, um fone de ouvido bem antigo, alguns instrumentos com ponteiros e números que eu não sabia o que indicavam e algo que parecia uma pequena lanterna. Além disso haviam alguns cabos de eletricidade, me perguntei se aquilo ainda poderia funcionar.

— Edu? – Chamou minha mãe. – Seus amigos estão aqui.

Fechei a maleta rapidamente sem saber exatamente o motivo. Talvez fosse a promessa de protege-la que eu havia feito para o velho. Vesti uma bermuda e camiseta antes de descer as escadas. Meus pais assistiam televisão no sofá da sala, passei direto por ele e os cumprimentei com a cabeça.

Wallace e Ariane me esperavam do lado de fora. Ariane estava sentada na frágil cerca que meu pai tinha construído, Wallace estava sentado na calçada. Conversavam sobre qualquer coisa que eu não consegui ouvir, mas pararam quando me viram.

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