O sol nem saiu e a grande Fortaleza já está acordada: trânsito agitado, pessoas cansadas tendo que ir trabalhar, baladeiros das noites voltando pra casa, tudo em sua perfeita sincronia. Trazendo consigo a essência da urbanização de uma grande capital.
Sou parte dessa grande capital e seu ritmo agitado há quase dois anos. Levanto todos os dias às cinco, tomo uma ducha e depois me arrumo pra ir trabalhar. Nesses momentos em que me arrumo em frente ao espelho, um pequeno filme de minha história passa em minha mente. Alguns pensamentos sobre a vida e até meus planos — que não são muitos — eu penso.
A vida é difícil de ser advinhada, acho que é uma das maiores qualidades e defeitos que ela tem. Quando você acha que nada mais pode acontecer, vem ela e te prova o contrário. Isso já aconteceu algumas vezes comigo, mas mesmo assim nunca estarei preparado pra quando acontecer de novo.
Me chamo John Kennedy, tenho vinte anos. Não me acho bonito, mas não me sinto a pessoa mais horrível do mundo. Um metro e sessenta muito bem distribuídos num corpo não muito forte e nem magro demais, cabelos loiros e olhos castanhos que minha genética insistiu herdar do meu pai biológico que eu nunca conheci.
Atualmente moro em Fortaleza com minha melhor amiga Anna. Minha história é longa, então vamos por partes.
Nunca fui um garoto exemplar. Tirava notas boas, passava direto de ano mas nunca o número um da turma. Talvez a timidez, inconformismo e a insegurança impediu eu me tornar a pessoa que minha mãe controladora e religiosa sempre idealizou ou o escravo que o traste do meu padrasto sempre quis. Acho que todas essas expectativas exageradas da minha mãe e a autoridade insana do meu padrasto me tornaram o que eu sou hoje: um garoto mediano com sonhos medianos.
Ambição não faz parte dos meus planos. Sempre quis apenas ser independente. Ter meu canto, cuidar da minha própria vida, por mais que ela possa parecer sem graça e não ter significado algum.
Eu consegui atingir meus objetivos, mas olhando por outro ponto de vista, não utilizei os melhores métodos para isso. Não digo que roubei, apenas peguei emprestado a poupança gorda no qual minha mãe guardava para meus estudos. Então não acho que tenha sido roubo já que o dinheiro era pra mim, apenas fiz um uso diferente. Invés dos estudos, comprei duas passagens sem volta para Fortaleza, uma pra mim e outra pra Anna. Fui viver minha independência.
Sei que viajar para o outro lado do país à procura da felicidade não pareceu ser uma boa idéia, mas conhecendo minha mãe e os pais de Anna, você mudaria sua opinião na hora.
Desde pequeno sempre fui ensinado a respeitar as pessoas, ser bonzinho, brincar com coisa de meninos e quando crescer, estudar, arrumar um emprego decente e formar uma família, com esposa e uns três filhos e repetir todo esse processo com eles. Tenho uma péssima notícia... Não farei isso não! Esse era o sonho da minha mãe, não meu. Nunca quis construir uma família, pelo menos não no modelo tradicional que minha mãe me ensinou desde pequeno ser o "certo" fazer.
Ser filho de uma mulher religiosa e com a mente parada no tempo não é fácil, principalmente quando se é gay.
Minha sexualidade nunca foi de fato novidade — a não ser pra minha mãe que fingia não ver o óbvio — e a maioria das pessoas próximas de mim notaram isso primeiro que eu.
Me assumi há uns três anos atrás, quando quase todos da minha família souberam — inclusive minha querida e fanática religiosa mãe — essa foi a época que eu liguei meu "foda-se" para o mundo. Não é nem preciso dizer que ela não aceitou numa boa. Na verdade se encheu de mentiras e ilusões para não acreditar que eu era gay.
"É só uma fase, vai passar", dizia ela. Mas o tempo passou e essa fase não. Eu descobri o ponto fraco da mulher dura que tinha se tornado minha mãe por causa da vida. Descobri esse ponto fraco no momento em que ela caiu em si que aquilo não era temporário, e que tinha um filho gay. O resultado foi um dos piores: brigas e mais brigas. Se antes minha mãe já era controladora, agora só faltava me acorrentar em casa para eu não sair. Ela possuía um gênio forte que batia com o meu forte também. Foram meses vivendo esse inferno dentro de casa até certo dia em um desabafo com Anna, tivemos a excelente idéia de irmos morar em Fortaleza.
Eu conhecia uma amiga que morava lá há alguns anos. Foram meses de planejamento. O mais difícil foi contar a todos. Apesar de sermos maiores de idade, a opinião deles de alguma forma teria algum peso no modo como enfrentaríamos tudo isso. Puro jogo mental que nossos pais controladores ao extremo deixou em nossas mentes. O medo falou tão alto na época que Anna só contou uma semana antes e eu um dia antes de viajar.
Com a cara e coragem enfrentamos a grande cidade aos nossos olhos, cada um carregando na bagagem o medo e a esperança de um futuro diferente daquele que nossos pais um dia sonharam pra gente.
Quando você está destemido, nem o medo do desconhecido, muito menos as dificuldades são suficientes para te desanimar. Conseguimos sobreviver a todos os obstáculos que a vida imprevisível nos dava. Um por um.
Agora, dois anos depois, divido um apartamento com Anna. Apesar de ser um lugar alugado e super apertado, podemos chamar de nosso. Cada um possui um emprego — Anna é secretaria em uma cooperativa de transporte executivo e eu trabalho em uma gráfica — e dividimos as contas e lentamente cada um vai construindo a vida como sempre quis.
O emprego não é tão ruim, dá pra pagar as contas e ainda sobra um dinheiro para repor o dinheiro que peguei emprestado da poupança da minha mãe. Sou orgulhoso demais e não sossego até devolver o último centavo à minha mãe.
A vida agitada de acordar cedo todos os dias e ganhar bem menos do que queríamos não nos faz desanimar, de alguma forma agora estamos livres. Essa era a liberdade que tanto queríamos. Liberdade de escrever seu próprio destino, fazer suas próprias escolhas.
Anna também tem sua dívida com o passado. Ainda vivemos, de certa forma, com essa sombra e enquanto não deixarmos tudo para trás de vez, nossas vidas nunca seguirão para frente. É um dos motivos de tanta dedicação e o que mais queremos é virar essa página de vez, sem cobranças, sem culpa.
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O Filho Do Meu Patrão (Romance Gay)
RomanceMe chamo John Kennedy e tudo começou quando conheci o filho do meu novo patrão. Alto, forte e muito bonito, Júnior despertou em mim os mais obscuros desejos. Agora esconder essa forte atração que sinto do meu patrão religioso e chato enquanto tenho...