Capítulo 3 - Jane

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Demora uma eternidade, mas o garoto consegue tirar o vômito e o cheiro nauseante do meu carro. Ou substituí-lo pelo cheiro quase insuportável de produto de limpeza de banheiro, mas que não me faz querer vomitar. Pegamos em seu apartamento balde com água, panos e detergente e ele fez um serviço razoável, considerando como estava bêbado. Talvez vomitar cachoeiras tenha ajudado a sobriedade a voltar.

Vendo-o esfregar a porta do Tubarão pela milésima vez, prometo a mim mesma nunca mais levar bêbado algum para dentro do meu pobre carro. Exceto Bia. E Lídia. Sei que não há jeito algum de eu deixá-las na mão quando precisarem de carona ou qualquer outra coisa.

- Juro que não tô sentindo mais cheiro nenhum – diz. Ele está sentado no carona, com uma perna para fora e outra para dentro, quase lustrando o couro sintético da porta. Antes da limpeza começar, mudei o carro de lugar, para sair do cheiro sufocante da poça e evitar que o vomitação recomeçasse. Todas as forças escondidas em mim foram convocadas para não vomitar junto dele, quando os jatos começaram. – Vem ver – pede.

- É claro que eu não vou aí ver – repudio a ideia estúpida de Bernardo. Descobri pelo porteiro que esse é o nome do Senhor Vomita Muito. Até temos algumas aulas juntos, mas nunca tive interesse em aprender o nome de pessoas com quem não pretendo conversar.

Apoio meu corpo exausto na lateral do carro. Hoje em dia, saídas às sextas-feiras são vetadas da agenda para evitar o visual (e atitude) "menina do Chamado" durante o trabalho na manhã seguinte, mas essa foi uma exceção. Bia conseguiu me convencer a dar apoio moral na festa da república do seu novo boy magia.

Eles se conheceram há algumas semanas em um dos ensaios da banda, numa das poucas ocasiões em que ela decidiu me acompanhar. O rapaz foi convidado por Alan, que sempre está em busca de plateia. Os dois trocaram olhares durante uma hora inteira e quando comecei a me sentir patética pela atitude da minha amiga, que tem idade suficiente para não agir como uma adolescente (apesar de ter a aparência de uma), a empurrei contra ele e disse "Essa é a Bia e ela quer fazer coisas indecentes com a sua barba".

Obviamente a boa ação me rendeu gelo imediato e mortes hipotéticas em sua mente, em vez de um educado agradecimento. Por fim, o gelo foi um dos menores da história e durou vinte horas, até o boy lhe mandar uma mensagem "meiga", em suas palavras.

Bia conseguiu o que queria, passar ainda mais tempo com o cara, e eu consegui um carro com cheiro de banheiro químico. Ela me dispensou da obrigação moral assim que o boy falou que a levaria para casa, quando e se ela quisesse. Tal detalhe não passou despercebido e foi narrado entre guinchos de alegria que derramariam meu refrigerante, se a lata estivesse cheia. Não pensei duas vezes antes de ir embora da festa abarrotada de pessoas tomando um porre épico.

A festa não estava ruim, pois pessoas alcoolizadas conseguem ser bem divertidas antes de se transformarem em reclamões, brigões ou chorões de primeira. O problema é que há uma semana não durmo direito. Uma semana chovendo todos os dias significa uma semana sem correr. Uma semana sem correr até meus músculos pedirem arrego significa noites longas e dias curtos, em que nada rende como deveria render e pareço um dos figurantes de The Walking Dead. Bocejo pela milésima vez neste minuto, indicando que não posso voltar para casa nesse estado.

Dormir no carro seria uma opção, se a mistura de vômito residual e falsa limpeza não fizessem meu estômago revirar. Como os planos de Bia envolvem uma placa de "Não perturbe" pendurada na maçaneta, tiro o celular do bolso e ligo para Lídia. O telefone toca longos segundos antes da minha amiga com cabelos de Curupira atender.

Minha companhia masculina para de limpar sua própria sujeira, joga o pano dentro do balde e presta atenção à conversa descaradamente, assim que começo a falar.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora