Acordo com portas batendo. Bia e Lídia saem do carro e, pela fila, percebo que estamos num posto de gasolina. Desprendo o cinto de segurança e me mudo para o assento do meio.
– Onde estamos?
– Metade do caminho – responde Jane, virando-se para me encarar. – Parece que dormiu bem. – Ela aponta o indicador do seu queixo para o meu. Imito seu gesto e descubro uma pequena poça de baba. Encantador.
– Que nem bebê – digo.
– Vocês três dormiram feito Belas Adormecidas.
– Não fica com sono quando está dirigindo?
– Não – responde Jane, acariciando o painel como se fosse uma criança bem-comportada. – Seria como ficar com sono andando numa montanha-russa com mais uns dez loops, ou seja, praticamente impossível.
– Onde as duas foram? – pergunto. Jane desliga o motor e tira a chave da ignição, enquanto aguardamos nossa vez.
– Banheiro, água, essas coisas.
– Você não vai?
– Só depois de alimentar o tubarão.
– Não tem carros demais para essa hora da manhã? – pergunto. Consigo ver pelo menos oito carros no posto, ou nas bombas ou esperando sua vez de abastecer.
– É começo de feriado – explica, dando de ombros. Ela prende os óculos no topo da cabeça e me encara com seus olhos castanhos sem piscar, de um jeito todo Jane.
– Aquele trânsito – aponto para uma pequena fila de carros na estrada. Não há veículos o suficiente para congestionar o trânsito, mas o bastante para diminuir a velocidade em algumas dezenas de quilômetros por hora. – Não parece te incomodar tanto quanto eu achava que fosse... Se me perguntassem ontem qual tipo de motorista você era, eu diria "completamente agressiva, com uma dose extra de imprudência por cima".
Jane sorri, claramente satisfeita com meu julgamento (errado) de sua personalidade.
– Se eu estiver dirigindo, trânsito não é tempo perdido, mas ganhado em um dos melhores lugares do mundo.
– Dá para ver o quanto você gosta desse carro – comento. Ela arqueia uma sobrancelha, me inquerindo sobre a afirmação. – Pelo jeito como ele está sempre brilhando por fora, como os tapetes são limpos e como falta poeira no painel ou qualquer outro tipo de sujeira acumulada no teto. – Jane passa dois dedos no painel, avaliando a qualidade da limpeza, e eu continuo a argumentação:
– E tem o jeito como você parece estar em casa quando está dirigindo. Essa linha em sua testa... – passo o indicador de leve no espaço entre suas sobrancelhas. – Desaparece no momento em que você segura o volante do carro. Assim como essa tonelada de seriedade que seus ombros parecem carregar.
Jane não responde, mas me encara de um jeito que pode deixar envergonhado alguém menos confiante ou mais tímido. Talvez o Bernardo de catorze anos. Quando o carro da frente se move em nossa visão periférica, ela coloca a chave na ignição, fazendo o carro apitar, e diz:
– Percebeu tudo isso nos cinco minutos que passou acordado? – pergunta, com um sorriso irônico.
– Para você ver como a diferença é gritante.
Jane estaciona, desliga o carro e puxa o freio de mão. Ela desce do veículo e conversa com o frentista, sem olhar para trás.
– Quer um café? – pergunto, imitando seu gesto e saindo do carro. Aponto para o restaurante a alguns metros, explicando minha pergunta, como se palavras não bastassem.
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
Ficción GeneralJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...