Descemos do ônibus em um ponto antes da praça central da cidade. Estamos a mais ou menos quatro paradas de distância do nosso destino. Algumas pessoas passam por nós segurando crianças que correm em disparada para praça. A mão suada de Bernardo não deixa a minha até fazermos o mesmo caminho das crianças e seus pais e nos sentarmos num dos bancos da praça bem arborizada.
O simples ato de sentar-se parece aliviar Bernardo do peso enorme que estava carregando. Ele grunhe sonoramente e abaixa a cabeça entre as pernas, apoiando-a sobre os antebraços. Coloco as mãos em seu joelho e seu cabelo, deixando meus dedos vagarem sobre seus fios, por inaptidão de saber como agir. Conto de cem a zero, tentando acalmar minha frustração com os últimos dez minutos, que poderiam ter sido anos. Com aquele meu nível de raiva e a pontuação final de zero objetos quebrados ou incendiados, a querida doutora Andreza estaria orgulhosíssima de mim.
Estamos cercados por vida. É a primeira ideia que vem à mente. Crianças correm do parquinho até os bancos, onde seus pais conversam com outros pais, enquanto comem coisas vendidas em barraquinhas locais. Pessoas mais velhas jogam dama ou xadrez num gazebo não muito longe. Casais adolescentes namoram em bancos próximos ao chafariz no centro da praça. Tudo isso numa noite de sexta-feira, em vários tons de luzes incandescentes, vindas tanto dos postes quanto das barracas. Estamos imersos em risos, conversas e gritinhos agudos de felicidade. O exato oposto de como me sinto por dentro.
Duas senhoras com cabelos branco, segurando bolsas volumosas sob os braços, passam nos olhando com curiosidade e as ouço comentar algo sobre nós, a que não dou importância. Sinto Bernardo exalar uma longa respiração e imito seu movimento, automaticamente.
Solto a mão de seus cabelos e puxo seus ombros para cima, de leve. Num outro suspiro profundo, Bernardo se ergue, pálido e sério. Meu estômago se retorce, nadando em remorso.
– Que tal uma cocada? – pergunto, sem intenção alguma de levantar para comprá-la. Bernardo me encara desconfiado, inspirando e expirando como se estivesse numa aula de Lamaze. Enlaço nossas mãos novamente quando ele parece estar à beira de um novo pânico.
– Eu estou bem – diz Bernardo, erguendo a coluna. Qualquer pessoa seria capaz de detectar a mentira em sua voz e aparência.
– Estou vendo.
– É sério – insiste. Viro-me no banco e avalio seu rosto ainda suado, mas menos franzido. Ele aperta a minha mão, me desafiando a desmenti-lo.
– Bia e Lídia... – ele não termina de falar, mas seu nariz franze novamente em angústia. Solto minhas mãos das suas e o abraço, sem pensar. Esse é o único conforto que posso lhe dar, já que não faço ideia do que seria apropriado dizer. Ele devolve o gesto e se afunda em meu pescoço, me fazendo sentir que fiz a escolha certa. Passo os dedos por seus cabelos úmidos, de um jeito suave e sem movimentos bruscos – para não espantá-lo e para manter minha raiva, devido à minha estupidez, sob controle.
– Não estamos tão de longe de onde devemos ir – digo me afastando, assim que nosso abraço se torna algo longo e muito diferente do que havia começado. Algo que me fazia querer continuar ali.
– Podemos ficar aqui por alguns minutos? – pergunta Bernardo, quando me solto de seus braços. Ele põe os cotovelos sobre a perna, observando a praça e o caminho que acabamos de fazer. Imito sua posição e observo as duas senhoras que fofocaram sobre nós sentadas à nossa frente, fazendo movimentos circulares com agulhas de tricô.
O que alguém faz nessa hora? Não quanto às senhoras, claro, mas quanto a Bernardo. Esse é o tipo de coisa que minha mãe era especializada em resolver. Aposto que Bia não se sairia tão mal também. Meu instinto é fingir que nada aconteceu.
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
General FictionJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...