- Qual é seu lance com vagas minúsculas? - pergunta Flávio ao sair do banco traseiro de Tubarão. Quando ele fecha a porta, eu aciono o alarme e atravesso os vinte centímetros que separam meu carro do Corsa em nossa frente. Na calçada, Bernardo me aguarda, se aconchegando em seu casaco de moletom que havia deixado no carro durante a apresentação. - Precisa provar que tem colhões grandes o suficiente para estacionar nelas?
- Depende - respondo, sem encará-lo. Minha atenção está no calor de Bernardo, que pega minhas mãos, colocando-as dentro do bolso canguru de seu casaco, assim que me aproximo dele. - Você tem neurônios o suficiente para perceber porque essa vaga é infinitamente superior àquele canto de pagar penitência lá trás?
Depois de dirigir durante vinte minutos sendo sabatinada por Flávio, aprendi que sua brutalidade não é sinônimo de desgosto, mas sim apenas sua personalidade. Quanto mais rude a resposta, mais aumenta a intimidade desequilibrada de Flávio.
- Irmãozinho, você já dirigiu esse monstro? - Flávio cutuca o ombro de Bernardo para lhe chamar a atenção. Ele anda de costas ao nos afastarmos do carro, admirando os detalhes de Tubarão novamente. Antes de sairmos a escola, nos dividimos em dois grupos de veículos (Flávio insistiu que deveria vir conosco para nos guiar até o local) e toda a família analisou Tubarão durante cinco longos segundos. O resultado foi uma conversa sem palavras entre os pais e um "massa" uníssono dos filhos.
- Com quem você acha que está falando? - gargalha Bernardo. Não consigo distinguir se essa é uma resposta negativa ou uma mentira até ouvir o riso irônico descrente de Flávio.
Rapidamente chegamos ao local cheio de pessoas igualmente famintas. Diferentes Food Trucks cercam a rua, rodeando mesas e cadeiras de plástico, envolvendo seus clientes em cores vibrantes e cheiros que dão água na boca mesmo a longos metros de distância.
Um ponto preto avança em nossa direção acenando alegremente. Júlia chama por Bernardo, apontando para mesa onde seus pais já estão sentados. Deixei que o Corolla do senhor e senhora Bernardo nos ultrapassassem e dirigi como se cada sinal amarelo fosse feito do vermelho mais vivo do mundo. Afinal, eles não precisam de uma overdose de Jane de imediato.
Desviamos de famílias e grupos de amigos rindo e devorando suas refeições até finalmente chegarmos à mesa, onde os três já têm seus pedidos em mãos. O pai sorri ao nos reconhecer e gesticula para sentarmos. Mais especificamente, gesticula para que eu sente a seu lado, na única cadeira vazia.
- Vocês precisam nos desculpar - diz ele, tomando um gole de seu refrigerante. Apesar de seu cabelo ser curto como o de Flávio, não consigo distinguir nenhum traço físico que ele e o filho mais velho compartilham. - Júlia nos fez começar a comer sem vocês, dizendo que iria passar mal se tivesse que esperar mais um minuto.
- E você concordou na mesma hora - acrescenta a mãe, afetuosamente. Com seus pequenos olhos negros, Ana Paula nos estuda demorando-se uma fração de segundo a mais no bolso do casaco de Bernardo. Como se lembrasse de algo, aponta para uma das caminhonetes e diz para Flávio:
- Os meninos já chegaram, estão espalhados por aí comprando comida.
As mãos de Bernardo apertam as minhas com mais força que o necessário. Seus olhos escaneiam o local com receio. Tento entender o motivo, mas Flávio me interrompe antes mesmo de eu ter a chance de lhe perguntar o motivo.
- Vamos rever os velhos amigos que você abandonou, irmãozinho? - Flávio segura Bernardo pelos ombros, tentando afastá-lo da mesa, mas seus pés mantêm-se tão firmes no chão quanto suas mãos nas minhas. Ele se vira para mim, disfarçando preocupação com um sorriso.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A fórmula matemática de Bernardo e Jane
General FictionJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...