Capítulo 21 - Bernardo

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Pela terceira vez, abro a geladeira e tudo o que encontro é uma cenoura perdida e um pote de iogurte que está ali há tanto tempo que ninguém ousa comer. Fecho a porta e avalio minhas chances de ir à padaria e voltar sem esgotar minha paciência. Do lado de fora, a chuva cai com tanta vontade que desce sem rumo, em todas as direções. Novamente, procuro nos armários qualquer coisa comestível.

- Quem manda não ir ao mercado como combinamos? – ironiza Igor. Ele segura uma garrafa d'água vazia em uma das mãos e uma sacola de plástica cheia do que parece ser lixo na outra. Já faz mais de duas semanas que ele vem lembrando da necessidade de irmos ao mercado, mas nunca vamos.

- Vocês poderiam ter ido sem mim – comento. – Depois dividiríamos a conta, como já cansamos de fazer com o Bruno.

- Mas ele não quis ir sem você. – Igor coloca a garrafa na pia e joga a sacola na lixeira. – Suspeito que era só mais uma das desculpas dele para não ir.

- Dia de faxina? – pergunto, apontando para a lata de lixo.

- Só tentando diminuir a quantidade de organismos vivos vagando pelo quarto. – Igor dá de ombros e repete a busca por algo de comer que acabei de fazer. A porta do apartamento abre e imediatamente seguimos o som de chaves tintilando. Nossas expectativas são as mesmas: possibilidade de comida.

- Dá próxima vez, vocês se virem – resmunga Bruno, esticando duas sacolas em nossa direção. Igor chega a elas primeiro e inspeciona o conteúdo ansiosamente.

- A princesa está mau humorada? – diz Igor. Bruno, sem encarar qualquer um de nós, joga no chão uma caixa grande para poder tirar a bota encharcada.

A situação entre nós está melhorando aos poucos desde a vista do meu irmão, que se enfiou no carro (que a mãe lhe deu) na manhã de domingo, me dizendo "vê se aparece", mesmo sabendo que isso não vai acontecer. Se tanto Flávio quanto Bruno mantiverem a boca fechada sobre Jane ou sobre o que eu deveria fazer, ficaremos bem novamente em alguns dias.

Sento no sofá, esperando que a comida seja encontrada. Provavelmente Igor ligou para Bruno, pedindo que trouxesse mantimentos. Suspiro fundo, meio morto de fome e meio acalorado, e encaro os vidros embaçados da janela fechada (por causa do céu despencando lá fora). Sorte minha ter chegado em casa antes do temporal.

- Não tinha vaga perto da padaria, então tive que andar debaixo desse aguaçal até lá, então sim, Igor, não estou exatamente de bom humor – diz Bruno.

Igor tira um pacote de biscoitos recheados da sacola antes de colocá-las no chão, com um sorriso enorme – ele não gosta de biscoitos recheados, mas como eu, Igor não havia comido nada desde o almoço.

– Tem café e pão aí dentro – explica Bruno e se vira para mim, com um aceno ligeiro. – O porteiro pediu para te entregar aquilo. – Ele aponta para a caixa no chão. Como ele é quem mais compra coisas pela internet, imaginei que aquela fosse mais uma de suas encomendas.

O nome da loja estampado nas laterais e no lacre da caixa chamam minha atenção e me dizem que a encomenda é obra dos meus pais. Todas as coisas que compro pela internet vêm em embalagens pequenas, com espaço suficiente para um disco de jogo e sua embalagem, às vezes, dois. Pego alguns biscoitos do pacote que Igor segura com afinco e levo a caixa para o quarto. No corredor minúsculo, grito um agradecimento a Bruno e fecho a porta.

Sento à escrivaninha e abro caminho entre livros e xerox de exercícios que estava fazendo até ser rendido pela fome. Abro o computador e, enquanto o espero ligar, faço a cama parecer arrumada ao jogar o edredom por cima dos lençóis desfeitos. Não que eu seja alguém que goste de bagunça (afinal, sou eu quem cuida da limpeza do apartamento, na maioria das vezes), mas fazer a cama todos os dias me parece desnecessário.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora