Capítulo 16 - Jane

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Ajusto a mochila no ombro, apressando o passo. Deixo os garotos e suas risadinhas andarem lado a lado. O resto do pessoal já circula nossa mesa de costume: Milena conversa com Alan e Paulo toma um gole de sua cerveja, com a guitarra no colo. Ele ergue a lata em minha direção, cumprimentando-me.

- Alan me contou as novidades – diz, significativo, afastando uma cadeira para eu sentar. Aceno para Milena e tomo meu lugar junto a Paulo.

- Felipe está trazendo as duas aí.

- Alan está nos fazendo tocar "Demons"... veta a música e escolhe, pelo amor de Deus – sussurra Paulo, levemente desesperado. Ele não precisa me dizer nada além disso. A roupa de Alan reflete seu espírito do dia: todo de preto, com gorro gigante e moletom. Se existe algo como TPM masculina, ele está naqueles dias.

Os garotos finalmente aparecem, sorrindo como velhos amigos. Felipe me entrega o baixo e Bernardo coloca o amplificador em cima da mesa, cumprimentando Paulo com um aperto de mãos e Milena com um beijo no rosto. Tento lembrar qual foi a última vez em que cumprimentei alguém desse jeito, mas desisto.

- Você deveria cantar – diz Paulo, quando os dois garotos recém-chegados entram na cozinha.

- Eu não canto.

- Você canta – rebate. – O que você quer dizer é que não quer cantar, o que é algo diferente.

- Eu não quero cantar.

- Você deveria – diz. – Nunca sequer ouvi a música que tocou semana passada, mas tenho certeza de que sua versão é melhor que a original.

- Vejam se não é o Sr. Puxa Saco!

- Sabe que isso não é verdade – diz, reprovando-me com o olhar. Eu sei. A última vez em que elogiou algo foi quando fiquei entediada e toquei suas duas músicas favoritas de Guns and Roses, num mix distorcido e não muito ruim. Paulo insiste:

- Pensa no assunto, Jane? – Assinto ao tirar os cabos da mochila jogada no chão, começando a preparar o baixo. Felipe e Bernardo voltam carregando latas de cerveja e um pacote de salgadinhos tamanho família. Milena reclama que acabaram de almoçar e alguém responde algo em que não presto atenção. Cabos. Amplificador. Baixo.

- Para a motorista da vez. – Bernardo abre uma lata de refrigerante e a coloca em minha frente, agradeço-lhe com um leve aceno. Testo se o som do baixo está saindo sem problemas e o seguro no colo, tomando todo cuidado possível ao bebericar o líquido gelado. Bernardo encosta sua lata na minha, num brinde silencioso.

- Não tome muitas dessa – digo, apontando para a lata em sua mão. – Fiquei o domingo inteiro limpando meu carro e não estou com humor para perder esse também. – Omito a parte em que gosto de limpar meu carro, mesmo que seja para depois voltar com toda a bagunça. Um olhar destreinado pode não perceber a diferença, mas ela é gritante para mim.

- O que você disser. – Ele se afasta, puxando conversa com Milena.

Os vizinhos ao lado estão com a janela fechada e me pergunto o que estariam fazendo a essa hora. Talvez estejam assistindo a tevê e tiveram que fechar a janela por causa do reflexo. Talvez tenham ido visitar alguém. Talvez estejam cochilando.

- Vamos recomeçar? – pergunta Alan. Paulo me dá uma joelhada forte, e quando me viro para xingá-lo, suas sobrancelhas tentam me explicar o motivo.

- Não, Alan – digo. – Não sei tocar essa música no baixo.

- Você sabe tocar qualquer coisa em qualquer coisa! – diz, irritado. – Essa é uma desculpa que não pode usar, Jane. E deve ter a cifra dessa música em algum lugar da maravilhosa internet. – Ele puxa seu Cajon para perto da mesa, senta em cima dele e tira o celular do bolso, provavelmente para procurar a música dos pesadelos de Paulo.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora