Ajusto a mochila no ombro, apressando o passo. Deixo os garotos e suas risadinhas andarem lado a lado. O resto do pessoal já circula nossa mesa de costume: Milena conversa com Alan e Paulo toma um gole de sua cerveja, com a guitarra no colo. Ele ergue a lata em minha direção, cumprimentando-me.
- Alan me contou as novidades – diz, significativo, afastando uma cadeira para eu sentar. Aceno para Milena e tomo meu lugar junto a Paulo.
- Felipe está trazendo as duas aí.
- Alan está nos fazendo tocar "Demons"... veta a música e escolhe, pelo amor de Deus – sussurra Paulo, levemente desesperado. Ele não precisa me dizer nada além disso. A roupa de Alan reflete seu espírito do dia: todo de preto, com gorro gigante e moletom. Se existe algo como TPM masculina, ele está naqueles dias.
Os garotos finalmente aparecem, sorrindo como velhos amigos. Felipe me entrega o baixo e Bernardo coloca o amplificador em cima da mesa, cumprimentando Paulo com um aperto de mãos e Milena com um beijo no rosto. Tento lembrar qual foi a última vez em que cumprimentei alguém desse jeito, mas desisto.
- Você deveria cantar – diz Paulo, quando os dois garotos recém-chegados entram na cozinha.
- Eu não canto.
- Você canta – rebate. – O que você quer dizer é que não quer cantar, o que é algo diferente.
- Eu não quero cantar.
- Você deveria – diz. – Nunca sequer ouvi a música que tocou semana passada, mas tenho certeza de que sua versão é melhor que a original.
- Vejam se não é o Sr. Puxa Saco!
- Sabe que isso não é verdade – diz, reprovando-me com o olhar. Eu sei. A última vez em que elogiou algo foi quando fiquei entediada e toquei suas duas músicas favoritas de Guns and Roses, num mix distorcido e não muito ruim. Paulo insiste:
- Pensa no assunto, Jane? – Assinto ao tirar os cabos da mochila jogada no chão, começando a preparar o baixo. Felipe e Bernardo voltam carregando latas de cerveja e um pacote de salgadinhos tamanho família. Milena reclama que acabaram de almoçar e alguém responde algo em que não presto atenção. Cabos. Amplificador. Baixo.
- Para a motorista da vez. – Bernardo abre uma lata de refrigerante e a coloca em minha frente, agradeço-lhe com um leve aceno. Testo se o som do baixo está saindo sem problemas e o seguro no colo, tomando todo cuidado possível ao bebericar o líquido gelado. Bernardo encosta sua lata na minha, num brinde silencioso.
- Não tome muitas dessa – digo, apontando para a lata em sua mão. – Fiquei o domingo inteiro limpando meu carro e não estou com humor para perder esse também. – Omito a parte em que gosto de limpar meu carro, mesmo que seja para depois voltar com toda a bagunça. Um olhar destreinado pode não perceber a diferença, mas ela é gritante para mim.
- O que você disser. – Ele se afasta, puxando conversa com Milena.
Os vizinhos ao lado estão com a janela fechada e me pergunto o que estariam fazendo a essa hora. Talvez estejam assistindo a tevê e tiveram que fechar a janela por causa do reflexo. Talvez tenham ido visitar alguém. Talvez estejam cochilando.
- Vamos recomeçar? – pergunta Alan. Paulo me dá uma joelhada forte, e quando me viro para xingá-lo, suas sobrancelhas tentam me explicar o motivo.
- Não, Alan – digo. – Não sei tocar essa música no baixo.
- Você sabe tocar qualquer coisa em qualquer coisa! – diz, irritado. – Essa é uma desculpa que não pode usar, Jane. E deve ter a cifra dessa música em algum lugar da maravilhosa internet. – Ele puxa seu Cajon para perto da mesa, senta em cima dele e tira o celular do bolso, provavelmente para procurar a música dos pesadelos de Paulo.
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
General FictionJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...