Capítulo 18 - Bernardo

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- Você está chegando em casa muito tarde para alguém que normalmente curte um REM às onze horas da noite! – Meu irmão me cumprimenta com um meio abraço e um aperto no queixo. Odeio o gesto, mesmo estando feliz em ver seu sorriso largo parado no meio da minha sala, a trezentos quilômetros de onde deveria estar.

- O que está fazendo aqui, Flávio? – pergunto. Ele me solta e tranco a porta, jogando as chaves sobre a mesa.

- Senti saudades, é claro. – Apesar do seu sorriso, sua testa franzida grita "mentira!". Bruno e Igor estão sentados no sofá, jogando Mass Effect. Na verdade, Bruno joga enquanto Igor ocasionalmente levanta os olhos do celular e comenta alguma coisa.

- Não comece a estragar sua reputação de homem honesto – digo. Flávio se orgulha de ser "alguém que não mente", em suas palavras. Acredito que o que sai de sua boca é apenas uma opinião dita brutalmente. Isso me irrita porque ninguém precisa ser rude o tempo todo. Sua sobrancelha levemente unida indica mentira, ou distorção da verdade, e significa que algo enorme deve ter acontecido.

- Para que a hostilidade? Não posso mais fazer uma visita a meu irmão mais novo que, aliás, ficou fora o dia todo? – Ele se joga no sofá, encarando a tevê.

- Bernardo, você nos obrigou a aturar seu irmão até agora – diz Bruno. – Estou decepcionado.

- Já perdi a conta de quantos tiros ouvi só essa noite, faça isso parar, cara! – Flávio finge aborrecimento e pega um pacote de biscoito recheado escondido no canto do sofá. Sento a seu lado, esticando as pernas e pronto para dormir. Depois de bom banho gelado, cortesia de Jane.

- Já vi que achou meu esconderijo. – Aponto para o pacote em suas mãos.

- Você chama aquela caixa vermelha com desenho de cupcake de esconderijo? Só falta ter uma placa em néon dizendo "me coma" em letras maiúsculas.

- Agradeça a sua irmã – digo. – Foi presente de aniversário.

- Eu sabia que tinha que ter comida guardada no teu quarto, Bernardo – resmunga Igor, preso ao telefone. – Não é natural a forma como você fica despreocupado quando acabam as coisas de comer...

- Fico despreocupado porque tem uma padaria há cinquenta metros de distância. Já reparou? – pergunto, sabendo que se dependesse de Igor para sair de casa e comprar pão, morreríamos famintos. Ele faz uma careta, desconsiderando meu argumento e volta a digitar em seu celular.

- Você conhece aquele aparelho que vem revolucionando os meios de comunicação nas últimas duas décadas? – Conheço a voz de Flávio bem o suficiente para perceber o sarcasmo em sua pergunta retórica. – É chamado telefone celular. Talvez você já tenha ouvido falar.

- Dá um tempo, Flávio. – Pego o pacote de biscoitos em sua mão. – Acabou a bateria.

- E se o pai quisesse falar com você? – pergunta. Aposto que os outros garotos não perceberam as implicações da forma como disse "pai". Qualquer desculpa basta para que comece a dar indiretas de que nosso pai me prefere a ele. Talvez isso seja verdade, mas não há dúvida de que Flávio é o favorito da mãe. E Júlia é a menina dos olhos dos dois.

- O que aconteceu, Flávio? – insisto. Meu irmão não viajaria toda essa distância à toa.

- Nada – diz, dando de ombros. – Só precisava espairecer, acho.

- Precisa de trezentos quilômetros para espairecer?

- Se não gostou, vou embora agora. – Flávio ameaça a levantar, então chuto sua canela, mantendo-o no lugar. Imagino inutilmente como minha vida seria se não fosse rodeada por pessoas difíceis. E Jane, para completar.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora