A fórmula matemática de Bernardo e Jane

Capítulo 35 - Bernardo

– Você devia ver o jeito como ele falava dela – diz Gabi, minha nova amiga de festa. Desde que Jane concordou com a ideia de seguir Mateus, uma sequência de eventos se sucederam: dividimos a conta; caminhamos em ruas quase desertas acompanhados pelo riso estridente de Lídia a cada história de Mateus; descemos escadas longas e estreitas que nos levaram ao porão da casa de alguém, em um bairro onde a violência urbana parece não ser alvo de preocupação; e, finalmente, descobrimos que não havia ensaio, mas uma festa já bastante animada.

No momento que pisamos aqui, Jane foi levada para outro canto da sala espaçosa, rodeada de pessoas e uma guitarra foi empurrada em suas mãos. Lídia e Bia se afastaram para o meio da sala, entre gritos sussurrados que pareciam privados demais para eu ficar por perto. Tropeçando em grupos animados de conversa, conheci Gabi, a mesma guitarrista que Mateus mencionou algumas horas atrás e a mesma que colocou seu instrumento musical nas mãos de Jane.

– Como? – pergunto. Uma garota morena, usando um vestido que poderia ser uma blusa, passa por nós com um sorriso. Retribuo o gesto sem me importar se sou seu alvo, ou Gabi. Quando ela se afasta de costas, decido que aquela é a melhor roupa da festa. Minha nova amiga percebe o movimento dos meus olhos e dá um tapinha em meu ombro, concordando sem palavras com a visão.

– Como se Jane fosse a porra de uma estrela do rock – responde Gabi, depois de um bom tempo, meio séria, meio bêbada. São necessários apenas dois segundos de silêncio para gargalharmos, tanto do seu tempo de reação (distraída pelo vestido/blusa) quanto da ambiguidade da resposta. É claro que após uma boa quantidade de cervejas (quentes) que tomamos qualquer balbucio nos faz doer a barriga de tanto rir. Quando finalmente ficamos sérios (ou menos engraçados), Gabi continua:

– Não como se ela fosse um daqueles fantoches sobre duas pernas. Mas uma bem diva, daquelas que sabem e fazem de tudo um pouco na música.

– É isso o que pessoas parecem dizer – concordo. Sim, já tive o prazer de ver Jane em ação, mas ainda há uma boa dose de rancor em mim, que o álcool ainda não desinfetou.

– Nós saímos algumas vezes – ela comenta baixinho, como se fosse segredo. Porém, nesse lugar, "baixo" significa quase gritar por cima da música alta e dançante vinda do outro lado da sala. – E eu chegava a ficar com ciúmes de alguém que sequer conhecia, acredita? Especialmente quando Mateus bebia e começava a contar uma de suas aventuras juntas... – Gabi encara as duas figuras a alguns metros de distância com a testa franzida, como se tentasse montar um quebra-cabeça de mil peças em poucos segundos. – E sabe qual o pior? Eu nem gosto de garotos tanto assim! – Não havia tanto ciúme em sua voz, quanto confusão.

– Eu te entendo, irmã – digo, tintilando nossas latas de cerveja num brinde ao sentimento compartilhado. Talvez eu não a entenda exatamente, mas isso é apenas detalhe.

– Agora eu compreendo, Bernardo! – Gabi cutuca meu peito com vigor e aponta para onde Jane toca com Mateus e duas outras garotas. – Ela é incrível! Mas incrível do tipo que não dá para acreditar! – A excitação de Gabi é visível com seus pés se agitando ao som de um rock que não conheço. Eu apenas assinto veementemente.

Do momento em que Jane colocou a guitarra no ombro e testou o microfone, ela se transformou em algo nada menos que irresistível. Era impossível desgrudar os olhos de seus sorrisos entre versos que cantava como segunda voz de Mateus, do jeito como ela toca e se move de um lado para outro, tão à vontade, tão ela mesma, tão feliz, que mesmo se sua voz e habilidade com a guitarra fossem medíocres, ninguém perceberia.

– Eu tô vendo! – digo, balançando a cabeça ao som da música, com cuidado para não derramar minha cerveja. É impossível não ver Jane. Gabi se aproxima de mim, fazendo uma concha na orelha, pedindo para eu repetir o que disse. – Não tem ninguém aqui que não está prestando atenção!