Capítulo 9 - Jane

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- Já vamos embora? Dá para assistir a um filme ou sair para beber algo decente ou qualquer outra coisa? – pergunta Lídia, afundada na rede, enquanto fazemos um intervalo antes de voltar ao ensaio. A pausa só foi feita porque Alan recebeu uma ligação (ao som de mais Ed Sheeran) e fez todo mundo parar de tocar para poder atender. Ele literalmente segurou o braço do violão, me impedindo de continuar.

De qualquer forma, ensaiamos duas horas seguidas, com progresso visível e sem nenhum incidente envolvendo o sumiço de peças. Diria que o sábado foi proveitoso.

- Você sabia que iria demorar quando insistiu em vir junto. – Levanto o dedo em riste para Lídia. – Então não fica fazendo beicinho.

- Também acho que poderíamos fazer algo diferente – concorda Milena, numa voz meio baixa, receosa de reclamar.

A garota morena tem a idade de Lídia e cabelos que parecem nunca terem sido cortados em todos esses anos. Ela é namorada de Felipe e costuma vir aos nossos ensaios ocasionalmente. Como teve companhia, Lídia e ela passaram o ensaio sentadas na rede conversando e mexendo no celular. Não era de se estranhar que tivessem montado um pequeno complô para terminarmos mais cedo.

Num sábado normal, ensaiaríamos a tarde toda e, quando anoitecesse, comeríamos algo, os garotos beberiam ainda mais álcool, e eu deixaria todo mundo em casa ou num bar, para depois cair na estrada. Hoje, o sol nem se pôs e já pretendiam acabar com o ensaio. Eu a encaro com certa reprovação, que a faz acrescentar:

- Vocês estão melhorando e, até Alan precisar atender ao telefone, estavam muito bons. – Seus olhos fitam o teto e seus dedos dançam no ar. – Mas é sábado e seria bom se fizéssemos outra coisa além de ouvir a mesma música e beber coisa quente. – Tanto as cervejas quanto o refrigerante que Paulo trouxe estavam quentes, provavelmente porque foram comprados na padaria no pé do morro (cuja dona odeia ter que vender cerveja para complementar a renda. Acredito que essa é sua forma de rebelião).

- E agora, Jane? Você vai tocar aquela música que eu pedi? Por favor, por favor, por favor? Você prometeu! – Lídia desce da rede e junta as palmas da mão, tentando tornar mais sério o pedido. Realmente prometi que iria tocar qualquer música que escolhesse, se parasse de perguntar de cinco em cinco minutos, a que horas terminaríamos. A estratégia tinha funcionado até agora.

- Prometi e vou tocar, mas só quando nós terminarmos o ensaio – digo, tomando um gole do meu refrigerante. Milena espelha a posição de Lídia, levantando da rede num pulo, para mostrar algo à ruiva no celular. As duas trocam uma série de estridentes "ai, que gracinha".

Felipe, que aproveitou o intervalo para ir ao banheiro, volta e abraça Milena por trás, suas mãos descansando na parte de cima de sua barriga. Deixo um sorriso discreto escapar, pois acho a diferença de altura entre os dois adorável. Milena não pode ter muito mais de um metro e meio e Felipe tem bons quinze centímetros a mais que eu, ou seja, quase trinta centímetros os separam.

Dez centímetros a menos que a diferença entre Mateus e eu.

- Mais uma vez e a gente termina – diz, beijando o topo de sua cabeça. Forço minha atenção em qualquer outra coisa que não seja meu passado. Aquele passado. – A próxima vez vai ser melhor, já que você. – Felipe aponta para mim. – Não vai esquecer do teclado.

Pisco para ele, cúmplice. É óbvio que isso não aconteceria de novo. Quais as chances? Pulo da cadeira de plástico onde estou para outra ao lado de Paulo. Em geral, nossas interações são limitadas aos sábados, mas gosto de sua presença. Ele não age como se tivesse que provar algo para alguém a todo momento e parece entender que sábados são para fazer música e comer besteiras, nos intervalos.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora