Capítulo 28 - Jane

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- O que será que aconteceu? – pergunta Bernardo. Sinto suas mãos se apoiarem em meu banco, tentando enxergar o começo da fila de carros. Estamos parados a poucos quilômetros da estrada de chão que nos levará à tão almejada casa.

- Acidente ou obra na estrada – digo.

- Num feriado?

- Eles sempre escolhem os melhores momentos para mostrar serviço – respondo. Como constante usuária de rodovias sei que eles só trabalham no horário em que há mais movimento e isso inclui feriados que caem em dia da semana. Se quisessem produtividade, pagariam aos trabalhadores (e colocariam a infraestrutura necessária) para fazerem o serviço à noite, no horário de menor tráfego. Dinheiro para isso é o que não falta, com essa quantidade de pedágios.

- O que você preferiria? Acidente ou obra? – pergunta Lídia. Com um suspiro resignado, desligo o carro. A fila não anda e pretendo não desperdiçar a gasolina recém comprada.

- Que tipo de pergunta é essa, Lídia? – repreende Bia ultrajada, sem perceber o tom de brincadeira na voz da irmã. É o mesmo que Lídia usa em "que tal transformar essa sala em um palco para mais de cem mil pessoas?", me fazendo sentar ao piano e ouvir sua voz desafinada berrar a plenos pulmões. Verdade: apesar de reclamar horrores, admito que esses momentos não são nada entediantes.

- Obra – responde Bernardo imediatamente. – Assim ficaríamos menos tempo parados e ninguém se machucaria. – Lídia concorda assentindo. – Minha vez – continua o garoto. – O que você preferiria: ter sua vida toda gravada na internet, todo e qualquer momento, ou não ter nenhum registro online, nada apareceria quando buscassem seu nome na internet?

A forma como Bernardo me encara pelo retrovisor me faz ter certeza de que conhece alguma coisa dos meus vídeos. Faz tempo que não penso nas toneladas de vídeos e fotos minhas na internet. Mateus costumava gravar nossos ensaios, as apresentações que fazíamos em eventos e em alguns outros momentos para colocá-los em diferentes redes sociais. Depois de um tempo, ao perceber o quanto nossas visualizações online influenciavam nos trabalhos que conseguíamos, passei a ajudá-lo na divulgação e alguns vídeos até ficaram decentes.

Após o acidente, não abri mais a conta e tampouco quis deletar tudo o que postamos. Nada mais importava. Verdade: mesmo não sendo a parte da minha vida de que mais me orgulho, sem dúvida, foi fundamental para definir quem sou hoje. Não dá para apagar algo assim.

- Essa é fácil – responde Lídia, erguendo o celular em suas mãos. – Minha vida toda na internet.

- Mesmo estando lá todo e qualquer momento?

- Como se isso já não fosse realidade – me intrometo.

- Ela tem razão. Meus seguidores do snap sabem basicamente de tudo o que há sobre Lí-di-a. – Ela dá de ombros, como se sua privacidade fosse apenas mais um bem a ser vendido em troca de um número maior de seguidores. – Essa pergunta foi horrível.

- A sua também – diz Bernardo com um sorriso, se ajustando no banco para ficar de frente para ela. – Quem é a próxima?

- Eu – pede Bia. – Você preferiria ser bombadão, do tipo que nem consegue fechar os braços direito, ou ser magrelo, um fracote total?

Bernardo apoia a parte de trás da cabeça no vidro da janela e reflete sobre as alternativas. A fila anda alguns poucos metros me fazendo ligar o carro para acompanhá-la.

- Bombadão – responde. Lídia faz pequenos círculos no ar com a mão, para que elabore a resposta. – Ninguém quer ser um fracote! Mesmo que nunca mais consiga encolher meus braços de frio, ter músculos tem mais valor social do que não tê-los.... e se nada desse certo na vida, viraria fisiculturista ou então tentaria minhas chances na tevê, que nem o pai do Chris, de "Todo mundo odeia o Chris".

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora