- O que será que aconteceu? – pergunta Bernardo. Sinto suas mãos se apoiarem em meu banco, tentando enxergar o começo da fila de carros. Estamos parados a poucos quilômetros da estrada de chão que nos levará à tão almejada casa.
- Acidente ou obra na estrada – digo.
- Num feriado?
- Eles sempre escolhem os melhores momentos para mostrar serviço – respondo. Como constante usuária de rodovias sei que eles só trabalham no horário em que há mais movimento e isso inclui feriados que caem em dia da semana. Se quisessem produtividade, pagariam aos trabalhadores (e colocariam a infraestrutura necessária) para fazerem o serviço à noite, no horário de menor tráfego. Dinheiro para isso é o que não falta, com essa quantidade de pedágios.
- O que você preferiria? Acidente ou obra? – pergunta Lídia. Com um suspiro resignado, desligo o carro. A fila não anda e pretendo não desperdiçar a gasolina recém comprada.
- Que tipo de pergunta é essa, Lídia? – repreende Bia ultrajada, sem perceber o tom de brincadeira na voz da irmã. É o mesmo que Lídia usa em "que tal transformar essa sala em um palco para mais de cem mil pessoas?", me fazendo sentar ao piano e ouvir sua voz desafinada berrar a plenos pulmões. Verdade: apesar de reclamar horrores, admito que esses momentos não são nada entediantes.
- Obra – responde Bernardo imediatamente. – Assim ficaríamos menos tempo parados e ninguém se machucaria. – Lídia concorda assentindo. – Minha vez – continua o garoto. – O que você preferiria: ter sua vida toda gravada na internet, todo e qualquer momento, ou não ter nenhum registro online, nada apareceria quando buscassem seu nome na internet?
A forma como Bernardo me encara pelo retrovisor me faz ter certeza de que conhece alguma coisa dos meus vídeos. Faz tempo que não penso nas toneladas de vídeos e fotos minhas na internet. Mateus costumava gravar nossos ensaios, as apresentações que fazíamos em eventos e em alguns outros momentos para colocá-los em diferentes redes sociais. Depois de um tempo, ao perceber o quanto nossas visualizações online influenciavam nos trabalhos que conseguíamos, passei a ajudá-lo na divulgação e alguns vídeos até ficaram decentes.
Após o acidente, não abri mais a conta e tampouco quis deletar tudo o que postamos. Nada mais importava. Verdade: mesmo não sendo a parte da minha vida de que mais me orgulho, sem dúvida, foi fundamental para definir quem sou hoje. Não dá para apagar algo assim.
- Essa é fácil – responde Lídia, erguendo o celular em suas mãos. – Minha vida toda na internet.
- Mesmo estando lá todo e qualquer momento?
- Como se isso já não fosse realidade – me intrometo.
- Ela tem razão. Meus seguidores do snap sabem basicamente de tudo o que há sobre Lí-di-a. – Ela dá de ombros, como se sua privacidade fosse apenas mais um bem a ser vendido em troca de um número maior de seguidores. – Essa pergunta foi horrível.
- A sua também – diz Bernardo com um sorriso, se ajustando no banco para ficar de frente para ela. – Quem é a próxima?
- Eu – pede Bia. – Você preferiria ser bombadão, do tipo que nem consegue fechar os braços direito, ou ser magrelo, um fracote total?
Bernardo apoia a parte de trás da cabeça no vidro da janela e reflete sobre as alternativas. A fila anda alguns poucos metros me fazendo ligar o carro para acompanhá-la.
- Bombadão – responde. Lídia faz pequenos círculos no ar com a mão, para que elabore a resposta. – Ninguém quer ser um fracote! Mesmo que nunca mais consiga encolher meus braços de frio, ter músculos tem mais valor social do que não tê-los.... e se nada desse certo na vida, viraria fisiculturista ou então tentaria minhas chances na tevê, que nem o pai do Chris, de "Todo mundo odeia o Chris".
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
General FictionJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...