Capítulo 10 - Bernardo

4.2K 469 89
                                    


- É claro que nós vamos aí – diz a mãe, derramando paciência em cada palavra. Pigarreio alto, para chamar sua atenção. – E não vamos esquecer de levar pudim de leite condensado.

Preciso ter certeza de que não vão esquecer meu pudim, como aconteceu da última vez. Da tela do computador, reparo nos cabelos mais curtos da mãe (que apara seu corte a cada dois meses, impreterivelmente) e no Mingau deitado preguiçosamente em seu colo. Meu pai senta encostado no sofá, com as mãos na perna da mãe.

Ouço Júlia dizer "como ele é chato com isso" ao fundo. Ela provavelmente está deitada no outro sofá mexendo no celular. Daqui uns anos, irá entender o valor de uma boa sobremesa feita em casa, quando tudo o que tiver é comida de R.U. com fruta como sobremesa ou doce de leite fora do ponto.

- Mãe, você é demais! Melhor mãe e cozinheira do mundo! – digo, tentando manter o rosto sério e falhando miseravelmente.

- Não exagera, Bê, senão vou mudar de ideia. – Ela balança a cabeça em aviso. Se alguém quiser que a mãe faça algo, deve pedir uma única vez e esquecer o assunto. Ela não faz nada sob pressão.

- Você é tudo de bom na medida certa – corrijo, sabendo que estou brincando com fogo. Elogios demais e eles vão esquecer do pudim no feriado.

- Em todos os sentidos – acrescenta meu pai meloso. Júlia e eu soltamos um gemido de reprovação, como sempre fazemos quando comentam qualquer coisa relacionada a sexo (ou quando achamos que seja). Nenhum filho quer ouvir ou saber que seus pais ainda dão no couro... como se não tivéssemos traumas suficientes por saber que fizeram aquilo ao menos três vezes na vida.

- Ah! Vocês dois já são bem crescidinhos e nós já tivemos aquela conversa. – Meu pai ergue o indicador na direção do computador. – Ou será que precisamos ter uma conversa de atualização...

- Tô fora daqui – diz Júlia. Ao longe, ouço seus passos firmes saindo da sala.

- Quer falar mais alguma coisa, querido? – pergunta a mãe, se preparando para levantar também. Tento lembrar se tenho algo a mais a dizer. Nós já cobrimos todos os tópicos semanais como aulas, provas, projeto de iniciação científica, se estou comendo direito, como o trabalho deles foi, as aulas e provas semanais da Júlia, Flávio e sua noiva, os problemas que estão tendo agora que moram juntos e, por fim, os vizinhos que odeiam o Mingau, mesmo quase nunca latindo (na opinião da minha família). Nosso resumo semanal de notícias familiares, todo domingo à noite, no Skype mais perto de você.

- Não, mãe. Só não esquece do pudim – acrescento.

- Você sabe que só vamos visitá-lo até o próximo feriado, daqui a duas semanas, certo?

- Sim, mas pretendo não dar motivos para esquecerem, como da última vez. – Encaro a tela, tentando fazer minha melhor impressão de magoado.

- Mas levamos um bolo com cobertura de chocolate, que é seu preferido – diz o pai.

- Sim, mas não foi feito para mim. Foi sobra do bolo de aniversário da vó, o que não é a mesma coisa. – Eu não me importei com o bolo, que estava uma delícia, mas como quero que tragam pudim tento parecer profundamente ofendido, levando a mão ao peito.

- Você é realmente filho do seu pai. – Ela sorri e joga os cabelos escuros para trás, prendendo-o atrás da orelha.

- Amor, quais são suas intenções com tal afirmação? – diz o pai, meio fingindo ofensa, meio sério. Toda vez em que está realmente ofendido ele levanta a sobrancelha do lado esquerdo. Dessa vez, ela se mexeu rapidamente.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora