- Tem certeza de que não querem sair? – Lídia pergunta cutucando de meu pé, do outro lado do sofá.
- Combinamos que ficaríamos em casa curtindo uma sessão de Jane, the Virgin, para variar – diz Bia, dividindo a pipoca de micro-ondas em três potes. O cheiro da suposta manteiga impregna o apartamento, mesmo com as janelas da cozinha e da sala abertas.
- A gente não pode assistir a outra série? Qualquer coisa que não seja comédia romântica? – Lídia levanta os olhos do celular e encara a televisão pausada, duplicando a tela projetada no notebook de Bia.
- Não é tão ruim assim, Lídia, prometo. – Bia equilibra os três potes entre os braços e o peito e caminha até o sofá, distribuindo-os a Lídia e eu. Ela aperta a barra de espaços no computador e se acomoda no outro sofá, com seu pote sobre a barriga. Distribuir comida aos menos afortunados, ou mais preguiçosos (em nosso caso), tem sido seu trabalho desde que me lembro por gente.
- Você só fala isso porque se recusa a assistir qualquer coisa que não seja comédia romântica – resmunga Lídia.
- Isso não é verdade! Também assisto a todos os filmes que vocês escolhem.
- O que você faz é fingir que está assistindo enquanto viaja na maionese, pensando em mil e uma outras coisas. – Lídia tem razão. Já perdi a conta de quantas vezes Bia "assiste" a um filme com olhos vidrados na tela, mas a cabeça longe, fazendo qualquer outra coisa. Numa dessas vezes, ela sequer notou a presença de Cumberbatch (seu maior crush cinemático) no filme – um pecado, em sua religião.
- Eu não faço isso... muito. – Ela suspira e reflete por alguns segundos. - Tá, talvez um pouco, mas só em filmes de terror. Vocês sabem como me apavoram.
- Minha querida irmã, te apavorar é pouco. O que você tem é fobia de filmes de terror. – Lídia abre um sorriso largo e sinistro para acompanhar sua observação.
- Só não consigo entender como as pessoas assistem a esses filmes... Meu Deus, quem é que gosta de ficar com medo de propósito?
- O problema não está nas outras pessoas, o problema é que você se assusta fácil-fácil, que nem uma gatinha! – diz Lídia, estalando os dedos do meu pé distraidamente.
- Nós estamos carecas de saber que Bia tem pavor desses filmes... e que eles fazem ela fazer coisas – digo, colocando suspense na voz. Apesar da semiescuridão, consigo ver seus olhos se estreitarem por alguns segundos, antes de se arregalarem em reconhecimento.
- Uma vez, Jane, uma única vez!
- O que? O que aconteceu? Me conta! – Lídia para de estalar meus dedos e dá vários tapinhas ansiosos neles.
- Você sabe... aquela vez em que fomos assistir a "Invocação do Mal" no cinema?
- Eu não fui com vocês – diz Lídia, com uma careta.
- Nós fomos assistir ao filme na última sessão e não seria nada demais, se a bonita ali não tivesse dormido no meio do filme.
- Só eu não estou vendo o problema? – resmunga Lídia.
- Ela dormiu e começou a sonhar com o filme, como quando a gente dorme com a televisão ligada e acaba sonhando com o que está ouvindo. – Bia geme e afunda o rosto na almofada. – Só que não era sonho, mas um pesadelo e, na parte mais cheia de suspense do filme, com aquela música carregada de macabro, ela acorda com um grito tão alto que faz todo mundo em volta gritar junto!
- Eu não acredito! – Lídia solta uma gargalhada, se dobrando de rir no sofá.
- Pode acreditar! Se eu não estivesse visto e ouvido, juraria que nossa doce Bia seria incapaz de alcançar aquele tom de voz. – É impossível não lembrar de Bia (com sua natureza delicada, que se envergonha facilmente) e não esboçar um sorriso. Continuo:
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
General FictionJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...