Como pode aquele garoto estupidamente amigável conseguir me deixar tão estupidamente frustrada? Não apenas porque vamos passar as próximas noventa e seis horas juntos, mas também porque essa seria mais uma relação destinada ao fracasso em minha lista e mais um contato para Bernardo discar alguns minutos antes de vomitar.
– Tem certeza, Jane? – Bia pergunta novamente, dessa vez segurando uma tesoura na mão direita, e me fazendo empurrar Bernardo para longe da mente.
– Absoluta – digo, enrolando no pescoço a toalha que usei para tomar banho.
– Eu preciso filmar isso, porque tô sentido que vai bombar! – Lídia estica seu celular em minha direção e sou forçada a lhe dar meu melhor olhar impaciente. Ignorando o aviso, Lídia gira entorno da cadeira em que estou sentada, me filmando em 360º e parando ao lado de Bia, que desembaraça meu cabelo. Estamos no meio da sala do apartamento delas, com a colega de quarto, Paloma, dividindo sua atenção entre o que fazemos e seu computador.
– É só cabelo, Bia. – Tento aliviar a tensão que circula ao seu redor. – Essa não é a primeira vez que corta meu cabelo e nem vai ser a última.
– Ir ao salão é tão caro assim? – pergunta Paloma entediada, colocando o computador de lado. – Se quiser eu faço, já cortei cabelos antes. Só assim essa algazarra acaba logo.
Levanto, pois meu cabelo está longo demais para Bia cortá-lo enquanto estou sentada. Ajoelho na cadeira e sento sobre os calcanhares, para melhor ajustar a altura. Cortamos meu cabelo no final do ano passado e outro corte precisa ser feito urgentemente, já que não tenho tanta paciência assim e lavá-lo está começando a dar trabalho demais.
Bia inclina a tesoura pela terceira vez, avaliando a melhor posição para começar. Na primeira vez, ano retrasado, ela chorou porque achou que tivesse cortado torto demais para consertar.
– Sem segredo – digo, tentando achar palavras para prevenir olhos vazando novamente. – Pense numa linha reta e corte.
Sinto a ponta da tesoura encostar do lado direito em minhas costas antes de ouvir o barulho de fios sendo mastigados pelo objeto. Ela continua na mesma posição, repetindo o movimento durante alguns segundos. Lídia não polpa risos.
– Jane, ainda bem que eu estou filmando a cara da Bia! Precisa ver! Parece que está cortando o próprio cabelo... ela está sofrendo tanto! – Lídia gargalha, mas mantém o celular firme apontado para a irmã. Bia grunhe frustrada e apoia a testa em minhas costas, murmurando algo incompreensível.
– Eu não me importo – diz Paloma, pegando a tesoura de Bia, que cede sem resistência. Bia me encara desolada, quase pedindo desculpas, e esboço um sorriso para reconfortá-la.
– Nada complicado – explico a Paloma e aperto a toalha em meu pescoço. – Um corte reto, sem firulas.
– Como já disse antes, essa não é a minha primeira vez. – Ela solta um muxoxo reprovador enquanto avalia os fios ao redor do meu rosto. – Senta na cadeira, já que preciso repartir seu cabelo de novo. – Bia toma essa deixa para ser prestativa, como sempre, e avisa que vai ao banheiro pegar pregadeiras.
– Não – Lídia reclama, com a voz esganiçada. – Deixa Bia fazer!
– Senta a bunda no sofá, menina – resmunga Paloma. Sempre desconfiei que ela fosse a colega de casa ideal para conviver com Lídia: Paloma não se deixa levar por dramas de ninguém. – E se você me filmar e colocar na internet, amanhã vai acordar com seu cabelinho ruivo sozinho no travesseiro. – Lídia faz uma careta, mas tira o celular do rosto da garota e o coloca na minha frente.
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
Ficción GeneralJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...