A porta se abre e somos envolvidos por uma onda de calor. A diferença não está apenas na sensação, até o ar parece cheirar diferente. Apesar do céu estar sem nuvens, posso apostar que mais tarde vai chover grandiosamente.
A garota ao meu lado agora veste os óculos escuros e anda distraída. Passo meu braço pelo seu ombro, não porque seja mais baixa que eu (o que é por poucos centímetros), mas porque isso parece deixá-la desconfortável e quero sua atenção.
- Quer escolher um lugar para rangar ou eu escolho? – pergunto.
- Quem é que fala "rangar"?
- Eu falo! – Aperto o laço em seu pescoço. – Como vai ser? Quer escolher? – Jane hesita, então giro seu corpo para a faixa de pedestres. Há três restaurantes numa rua aqui perto, o que é o início de uma escolha.
Paramos no sinal vermelho de pedestres e Jane pega minha mão, removendo-a de seus ombros. Ignorando as implicaturas do gesto, tomo sua mão de volta na minha, segurando-a alguns segundos antes de soltá-la novamente. Jane me encara, suas emoções parcialmente escondidas atrás dos óculos espelhados. Sorrio e pisco para ela, antes de segurá-la pela cintura para atravessarmos a rua.
O fato é que ser direto com Jane não vai me levar a lugar nenhum. "Eu gosto de você, fica paradinha que vou te beijar", ao esquema de comédias românticas (ou do meu último namoro), não faz sentido com ela. Muito menos o agressivo "você, eu, cama". A abordagem que me parece mais prolífica é gradual.
No entanto, é claro que não posso perder oportunidades assim – são boas demais para deixar escapar.
No meio da faixa, Jane apressa o passo deixando minha mão em sua cintura no vácuo. Caminho mais rápido, com um sorriso vitorioso estampado no rosto. Qualquer reação pode ser convertida em boa reação.
- Gosto de um restaurante não muito longe daqui. Geralmente tem um pouco de fila, mas a comida não é insossa e a carne é bem temperada.
- "Bem temperada" do tipo "ai! Minha pressão alta" ou do tipo "que delícia, preciso de outra?"? – pergunta Jane.
- O último tipo.
- O melhor tipo.
- O que você veio fazer aqui? – diz, apontando para a livraria se afastando de nós.
- Te ver, óbvio.
- É claro que sim, sou irresistível. E a manutenção do meu emprego agradece sua compra.
- Pega leve no egocentrismo – digo, erguendo a sacola na frente do seu rosto. – Júlia vai adorar.
- Depois me conta se ela gostou. – Jane hesita uma fração de segundo e balança a cabeça. Tenho certeza de que está se repreendendo por ter dito algo que a faz humana, como alguém que se importa e que faz planos.
Existe algo intrinsecamente interessante em vê-la cometer atos falhos e ser orgulhosa demais para voltar atrás e consertar. Talvez essa frase diga mais sobre mim do que sobre ela. Pensamentos como esse nunca chegarão ao ouvido sempre atento do meu pai, pois existe um limite em que alguém pode ser analisado sem surtar e sem querer bater a cabeça na parede. Nem sempre a cabeça do próprio paciente.
Ignoro as palavras em minha mente e aprecio o dia quente e sem chuva, por enquanto. Mesmo nos dias mais abafados, o ar daqui é mais agradável que o de casa e sou grato por isso. A rua em que andamos ainda está bastante movimentada, com clientes tentado chegar a lojas antes que fechem e lojistas tentando ir embora antes que mais clientes cheguem.
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
General FictionJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...