- Vocês fazem isso todo final de semana? – pergunto, ajudando Jane a colocar suas coisas dentro da mala.
- O que? Ver alguém perder epicamente, sem nunca pedir para sair?
- Não – digo. – Ver alguém ganhar tantas vezes, mas sem nunca desenvolver um pingo de graça.
- Quem precisa de elegância quando se tem um recorde imbatível? – Jane ri maliciosamente ao fechar a mala do carro. Seu humor melhorou bastante desde o começo do ensaio.
- Ainda não descobri como, mas você nos roubou bem embaixo dos nossos narizes! – Me aproximo de Jane, apoiando as mãos no porta-malas, cercando seu quadril, mas sem lhe encostar. Esse gesto a deixa agitada, sem saber o que fazer. Confesso que isso me satisfaz muito mais do que deveria.
- Quem rouba em Banco Imobiliário? – pergunta Jane, tentando se defender.
- Quem ganha em Banco Imobiliário, de lavada, e em inúmeras partidas de pôquer direto? Você sabe quais são as chances disso?
- Esse é seu primeiro ensaio, então não pode sair por aí fazendo acusações desse tipo.
- Mas eu posso! – interrompe Felipe, fazendo Jane segurar meus pulsos e sair de onde a prendi. Seus olhos não deixam os meus até entrar no carro, tentando iniciar uma conversa sem palavras que não entendo. Frustrada, ela pede a Felipe que abra a porta da garagem.
– Não dizem que temos cinquenta por cento de chances de ganhar em jogos de sorte? – continua Felipe. – Isso não existe quando Jane está por perto! Não importa qual o jogo: cartas, memória, tabuleiro, forca... até Twister ela ganha de olhos fechados!
- Que tipo de praga é essa, Jane? – pergunto à garota que nos ignora. – Aposto que não deixa ninguém parar de jogar enquanto ela não vence. – Abro a porta do carona, sem entrar, para que Jane ouça a conversa.
- É isso aí! Esse é seu truquezinho, mocinha! – grita Felipe batendo no capô do carro. Com exceção de Jane, acabamos com o estoque de cervejas da casa. Quer dizer, eles acabaram, não bebi o suficiente para repetir o incidente do outro dia. Na verdade, posso contar em uma mão a quantidade de latas que tomei.
- Tire as mãos imundas do meu carro ou passo por cima de você! – grita Jane, abrindo as janelas. Felipe gargalha despreocupado ao se despedir dos garotos, que saem de casa entre risos e frases incoerentes.
Assim que nos acomodamos no carro, Jane acelera para fora da garagem olhar para trás.
Como eu amo essa cidade! Quem diria que essa casa, em que quase chorei de tanto rir de Alan bêbado, revoltado com as vitórias seguidas de Jane, é o mesmo lugar em que Thaís me traiu três meses atrás. Preparei molhos para salgadinhos em cima do mesmíssimo balcão em que ela sentou para poder beijar aquele armário também conhecido como "professor da academia, oops!". O destino/Providência/seja lá mais o que parece adorar uma boa ironia.
- Ei, alguém viu a namorada do Lipe? – pergunta Alan, saindo do seu canto e indo para o meio do carro. Paulo resmunga algo que parece uma negação.
- Ela apagou na rede, lembra? Logo depois do Banco Imobiliário – digo.
- O que você está fazendo? – pergunta Jane irritada, ao olhar para trás de relance. – Encosta no banco e coloca o cinto, Alan!
- A gente está numa rua vazia e quero ficar aqui na frente com vocês, caras. – Vejo Alan fazendo biquinho, com os braços apoiados entre os bancos da frente. Não consigo evitar a risada. Posso apostar que geralmente anda no meu lugar, no carona, quando Jane os leva para casa.
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
General FictionJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...