- Você tem esse livro? – pergunta um garoto de treze anos ao me entregar um rascunho escrito "Assassins Creed – Irmandade" em letras grandes e redondas.
Meu paraíso particular é quando os clientes chegam com os títulos dos livros anotados, evitando a fadiga de todo mundo. "Cliente hipotético, eu preciso de mais informação além de ser aquele livro vermelho, desse tamanho assim, com coisas escritas na capa que você leu há duas décadas". Dá para ser mais aleatório?
Pessoas normais não têm noção da quantidade de perguntas como essa com as quais lido toda semana e só posso imaginar o horror que seria se trabalhasse em uma cidade maior que um ovo.
Meu turno na livraria inclui todos as horas entre nove da manhã e sete da noite, em que não estou na universidade. Mais sábados. É um trabalho bem tranquilo, se desconsiderar as pessoas. Felipe e eu atendemos clientes, organizamos o estoque, conversamos com professores das escolas locais (que nos adiantam os livros que vão usar, para encomendarmos), tiramos pó e, bom, lemos.
Tia Luísa, empresária, administradora e parente, cuida da parte financeira e legal. Acima de qualquer coisa, é a maior amante de livros que já conheci e suspeito que essa é sua profissão dos sonhos.
Ando entre estantes atrás do livro. Depois de todo esse tempo, ainda sou obrigada a fechar os olhos e afastar as lembranças da mãe a cada vez que olho distraída para tia Luísa e seus cabelos longos e claros. Esse não é o tipo de pensamento que precisamos ao atendermos um garoto que está debatendo internamente se deve ou não espremer a espinha gigante em sua testa, enquanto busco o livro.
Meus olhos lacrimejam, cansados da noite anterior, na qual mal julgamento e exaustão me fizeram dormir na casa de um estranho. Sendo honesta, esse não é o pior dos meus pecados e, considerando meu estado, foi a opção mais sensata. Até o café da manhã ser arruinado pela presença do energúmeno, que se apresentou como Bruno. Depois de tanto tempo, o cara fez questão de lembrar do "acidente". Como poderia adivinhar que ele mora ali?
Isso é o que Bia chamaria de má sorte. Eu chamo de cidade microscópica.
Bruno é o tipo de pessoa em que você usa a lâmina de Ezio Auditore, torturando-o lentamente, pequenos cortes por minuto, para saborear a delícia de vê-lo se contorcer e implorar por uma morte rápida. Talvez eu esteja projetando nele meu desgosto por muitos de seus semelhantes, mas não me importo. Na minha cabeça posso ser juíza, legisladora e executora de sua pena.
Meu humor melhora imediatamente quando lembro do som do Tubarão no para-choque de seu Novo Uno. Foi um dos retoques na pintura mais felizes que já fiz. Entrego o livro ao garoto com um sorriso. Ele franze a testa, sem saber como reagir.
Pego o marcador do livro mais recente da série, colocando-o em cima do livro, antes do garoto propaganda da puberdade entregá-lo à tia Luísa.
Deixo os dois se entenderem e volto à árdua tarefa de tirar o pó dos livros mais afastados do balcão. No final da loja, há uma janela enorme que sempre fica aberta, tornando diário o trabalho de limpar as estantes. Em minha opinião, essa é uma boa distração quando nada mais parece interessante.
Felipe está sentado no sofá embaixo das janelas lendo "O iluminado". Passo um pano seco sobre uma prateleira baixa, sem prestar atenção à tarefa. Apesar de bastante entretido, ele segura o livro cuidadosamente para não estragar a lombada.
Além de colega de trabalho, também é companheiro de banda. Felipe divide seu tempo entre o turno integral da livraria e estudar Biologia à noite. Desde a época de ensino médio, seu objetivo de carreira é dar aulas para adolescentes. Sua convicção e vontade de "fazer a diferença em pelo menos uma pessoa" garantem a ele meu respeito.
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
Ficción GeneralJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...