Capítulo 36 - Jane

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– Só eu estou praticamente em coma por dentro? – Lídia solta meus ombros e se joga em um dos três sofás branquíssimos de sua sala de estar. Como descalçar as botas novas e imundas não está em sua lista de prioridades, ela deixa uma comprida mancha acinzentada no tecido do sofá. Dona Neide, empregada doméstica e babá das meninas durante a infância, não vai gostar nada do trabalho extra que terá. Não duvido que ainda castigue as irmãs, retirando seus privilégios de sobremesas enquanto estiverem em casa.

– Isso se chama álcool e acredito que vocês já se conheçam de diversas outras ocasiões – digo sarcástica, mesmo consciente de que Lídia descreveu meus sentimentos com perfeição. A única diferença é que seu veneno vem engarrafado e o meu vem embalado em jaqueta de couro, revestido por um humor mais instável que urânio.

– Aquele foi o taxista mais infeliz que já vi – comenta Bernardo, apoiando-se no sofá que Lídia sujou. Sem pressa, ele analisa cada enfeite do ambiente digno de revistas de arquitetura.

– Se tivesse que levar quatro pessoas exalando álcool, cigarro e suor em meu precioso carro, eu também seria a pessoa mais infeliz do mundo – digo. Bernardo descarta meu argumento dando de ombros. Ele tira o celular do bolso e digita algo com afinco. Os sapatos de Lídia sujando o sofá me irritam tanto quanto a atitude de Bernardo. Puxo as botas dos pés de Lídia com mais força que o necessário, fazendo-a resmungar.

– Acho que não vou conseguir subir as escadas. – Bia, estirada no outro sofá, zapeia entre os canais da tevê como sempre faz ao chegarmos em casa de madrugada. Em sua opinião, não existe melhor horário para se assistir televisão do que entre meia noite e seis da manhã. – Elas estão tão longes... e as camas? Nem me lembre! Devemos acampar aqui na sala mesmo.

– Quantas cervejas você bebeu? Meio copo? Do que está reclamando? – pergunto, sabendo que minha amiga loura sofre da triste Síndrome de Bêbado por Associação. Ela não bebe, mas age tão bêbada quanto as pessoas ao seu redor – o que inclui vômitos ocasionais. Retiro minhas botas e a jaqueta, jogando-as no canto perto da entrada e arruinando a decoração. Bom, nossa mera presença já é suficiente para arruinar qualquer decoração.

– Onde tem água? – Bernardo interrompe qualquer que fosse a resposta de Bia, que responde:

– Terceira porta daqui para lá.

– Você é realmente péssima em localização, sabia disso? – digo, arrancando uma careta de Bia. Empurro os braços de Bernardo na direção do corredor. Seus músculos se retesam ao meu toque, mas ele me permite guiá-lo à quarta porta do corredor à direita. Quando alcançamos o patamar da cozinha, Bernardo gira o calcanhar para observar o local em seu esplendor. Toda a sala da minha casa caberia aqui, sobrando espaço para o banheiro de visitas. Móveis e eletrodomésticos de aço inoxidável cobrem as paredes, dando um ar industrial e estéril ao local. Nada nesse cômodo (ou em qualquer outro, com exceção dos quartos das meninas) indica que uma família de quatro pessoas vive aqui. Ou viveu.

Depois de inspecionar a cozinha em sua grandeza, Bernardo caminha até o refrigerador em busca de sua água. Encosto na parede, deixando o zumbido em minha mente se misturar ao dos eletrodomésticos ligados – a única prova de que a casa não está inabitada, ou de que não estamos numa página de revista.

Sinto meu corpo leve, saciado pela injeção de endorfina de uma hora atrás, ao mesmo tempo em que minha irritação aumenta ao lembrar de Mateus... que foi o causador da dose de endorfina. Minha cabeça gira, tentando organizar os eventos da noite, me deixando ainda mais irritada.

– Como você pode estar tão inteira assim? – questiona Bernardo, segurando duas garrafas de água mineral. Ele fecha o refrigerador com o pé e lentamente se aproxima de onde estou. – Durante todo o tempo em que estavam tocando, vocês não deixaram a cerveja em paz por mais de duas músicas seguidas.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora