Capítulo 15 - Jane

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Devo estar amolecendo ou algo parecido.

Bernardo ocupa o banco do carona novamente, com um sorriso convencido estampado no rosto, e não sei exatamente como reagir. Decido ignorá-lo e prestar atenção às ruas quase vazias de um sábado depois do horário comercial.

- Qual é sua política sobre comida dentro do carro? – pergunta.

- Líquidos são proibidos e qualquer coisa que esfarele também.

- Mesmo quando o carro está nesse estado? – Bernardo olha para trás, tentando provar um argumento. Lembro dos papeis e sacolas enfeitam o banco traseiro, junto com minha mochila, uma bolsa térmica média e dois casacos que usei durante a semana. Tubarão já viu muitos dias piores.

- Se acha isso um "estado", tem que ver a mala do carro – digo. – Na verdade, é melhor não. – Ele apoia as costas no banco e se ergue para tirar um embrulho branco do bolso.

- Trouxe cocada para você.

- De onde veio essa cocada? – pergunto, desconfiada.

- Da praça.

- Que lugar da praça? – continuo o interrogatório, pois existem muitas bancas que vendem cocada na praça. Só metade presta.

- Da barraca de cocada da Dona Maria. – O semáforo fica vermelho e paro o carro, encarando o guardanapo em suas mãos. A viagem dentro do bolso não fez bem ao pobre doce, que jaz quebrado em pequenos pedaços. Apesar de ter acabado de almoçar, minha boca enche d'água. Minha resistência a doces é quase nula.

- Você pode comer, com duas condições – digo, estendendo o polegar e o indicador. – Se não fizer sujeira e se sua intenção for dividir.

- Eu não vou dividir – diz Bernardo monótono, antes de se desfazer num sorriso. – Essa é para você, tenho outra guardada.

- Igual a essa? – pergunto. Ele grunhe que sim, enquanto luta para tirar o outro doce do bolso. O sinal fica verde e avanço com o carro. Ao passar a terceira marcha, estico a mão em sua direção, esperando ansiosamente pela minha sobremesa.

- O que você está fazendo? – Bernardo soa tão chocado que sou forçada a tirar os olhos da avenida e encará-lo rapidamente, sem entender. Ele empurra meu braço na direção do volante. – Dez horas e dez minutos! E o único motivo aceitável para tirar uma das mãos do volante é passar a marcha.

- Eu passei a marcha! – explico, indignada com o sermão saído direto da autoescola.

- Então volte com a mão para o volante – diz, maroto. Antes de poder pedir o doce que me foi prometido, Bernardo estende uma mão na frente da minha boca. – Abre – pede. Tento afastar meu rosto, para checar o que tem na mão, mas ele a aproxima ainda mais da minha boca. Sem espaço para reação, obedeço, mordiscando um pedaço. Pedaços compridos de coco fazem festa em minha boca e, incapaz de resistir, devoro o restante numa única bocada.

- Deixa os coitados dos meus dedos em paz, Jane! – Sua gargalhada baixa ressoa em mim antecipando algo. Alheio, Bernardo continua: – Tem mais de onde esse veio.

- É bom mesmo! – digo, com a boca cheia. Faço uma das últimas curvas do percurso, diminuindo consideravelmente a velocidade. – Acho que devemos terminar de comer isso antes de chegar lá.

- Ainda tem outro. – Ele aponta para um terceiro embrulho fechado em seu colo. Qual o tamanho dos seus bolsos?

- Achei que não fossemos dividir.

- Presente – diz. – É sempre bom chegar com alguma coisa para o anfitrião. – Sorrio da sua frase, que lembra minha um dos mantras da mãe. Reduzo ainda mais a velocidade ao ver a subida da casa de Felipe.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora