Capítulo 37 - Jane

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Nunca confie em pessoas que acordam de bom humor.

Isso inclui você mesma.

Quando voltei para casa, trazendo minhas desculpas em uma sacola com salgados fritos e isotônicos, não tive a recepção amigável que meu bom humor esperava. Entrei pela porta dos fundos, sem estacionar o carro dentro da garagem, para encontrar Bia e o maior sermão de toda nossa amizade sentados ao balcão. Ela estava tão irritada que sequer reparou no bolinho de aipim que comprei especialmente para ela.

Verdade: eu mereci isso.

Sem a delicadeza de aguardar o sermão de Bia terminar, Bernardo entrou na cozinha, comeu das minhas desculpas e saboreou cada um dos meus problemas enumerados em voz alta o suficiente para a acordar os vizinhos mais próximos. Se estivéssemos em outra vizinhança, talvez me solidarizasse com os pobres coitados, mas não há nada de "pobre" tampouco "coitado" nesta.

Gostaria de dizer a Bia que estava profundamente arrependida e que se voltasse atrás faria tudo diferente, mas são com esses erros que aprendemos e evoluímos (ainda estou trabalhando nessa parte).

Ao fim do monólogo, enriquecido pela cabeça de Bernardo assentindo enfaticamente nas partes assertivas, Bia não exigiu desculpas, nem promessas. Como sempre, ela disse aquilo que precisa ser dito, deixando a reflexão a meu encargo, para que sua consciência fique limpa e ela possa dizer "eu te avisei" em momentos estratégicos.

– Não vou ficar me repetindo – Bia disse, repetindo a frase pela terceira (e última) vez em seu discurso. – Até porque você e Bernardo têm um longo caminho pela frente se quiserem chegar a tempo da apresentação de Júlia.

E foi com uma única frase que, três horas depois, me encontro no Tubarão com um Bernardo emburrado, que me ignora fingindo dormir ou mexer no celular. A cada alerta de mensagem de texto resisto a tentação de defenestrar o aparelho.

Eu não precisava viajar mais de duzentos e cinquenta quilômetros (na ida e na volta) para Bernardo ver sua família, mas tenho três bons motivos que trouxeram aqui. A surpresa e alívio de Bernardo quando lhe perguntei por que estava demorando tanto para se arrumar. O gelo de Bia que iria tomar proporções épicas se eu não cumprisse a promessa. E, por último, eu gosto de dirigir.

– É isso mesmo? – pergunto, apertando o volante com força para não sacudir os ombros de Bernardo na esperança de que palavras caiam de sua boca. – Depois de duas horas dividindo os mesmos minúsculos metros quadrados, não mereço um pio sequer?

Bernardo se limita a franzir a testa, como se o celular tivesse feito algo extraordinário, e a deslizar o polegar sobre a tela. Esse tratamento está me levando à loucura a cada minuto. Nem a combinação excelente de baixo e bateria de The Last Shadow Puppets saindo pelos alto-falantes consegue prender minha atenção, quando a força com que Bernardo me ignora se faz ainda mais alta que as batidas da música.

– O que você quer que eu faça? – insisto. Se esse tratamento não parar logo, vou ter uma úlcera antes de chegarmos ao nosso destino. – Eu ouvi o sermão da Bia, com o qual você concordou veementemente. Eu trouxe comida especial de ressaca, que você parece ter adorado. Eu vou dirigir quase quinhentos quilômetros para você ver sua irmã tocar, depois de ter dormido miseravelmente algumas poucas horas. Apenas... me diz o que eu preciso fazer para isso desaparecer.

– Você não tem ideia, não é mesmo? – Bernardo soa quase tão irritado quanto ontem. Diminuo a velocidade para poder encará-lo, gesto que ele entende como consentimento de sua pergunta. – Sua melhor amiga estava morta de preocupação. Eu estava morto de preocupação. O que te deu para sair daquele jeito? Não resta um pingo de juízo nessa cabeça?

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora