O dia e o horário estão perfeitos para andar.
Não estou caminhando em pleno sábado, ao meio dia, porque sou obcecado pela natureza. Meu único objetivo é chegar a livraria em que Jane trabalha. Tenho tempo livre e preciso de algum livro que só deve ter lá. Quem se importa em ser discreto? Quase posso dizer que somos bons amigos.
Encontro com alguns conhecidos no caminho e me sinto grato por morar em uma cidade pequena. Isso raramente aconteceria em casa, a menos que eu andasse a pé pelo meu bairro e os conhecidos fossem meus vizinhos. Poder encontrar pessoas de outros cursos com quem tive uma única aula no primeiro semestre é um privilégio que não vejo acontecendo em cidades maiores. A não ser que esteja dentro do campus, claro.
Além disso, poder ir a vários lugares importantes como mercado, padaria e universidade sem precisar de transporte público ou carro é outra maravilha. Basta se programar com meia hora de antecedência para ajudar o meio ambiente, fazer exercícios e chegar onde precisamos ir.
Atravesso a praça da cidade e desvio de um punhado de crianças correndo, competindo para ver quem será o primeiro da fila no próximo brinquedo inflável da lista deles. Sinto cheiro irresistível de cocada, assim como a promoção "pague duas, leve três". Lembro da obsessão por coco de Júlia e faço uma anotação mental para não esquecer de trazê-la aqui quando vier me visitar com os pais.
Realmente gosto de quando eles vêm aqui. É claro que sinto falta de casa, da Magali, do colchão decente e de lençóis que sempre cheiram bem (mágica, só pode), mas já que não posso ter tudo isso, pelo menos terei minha família por perto.
Paro em frete a livraria que fica na esquina de um cruzamento. Alguns transeuntes e eu esperamos os carros pararem para podermos atravessar, outros atravessam meio correndo, meio prepotentes, desafiando os carros a acelerarem.
Do outro lado da rua está uma das poucas livrarias da cidade. A loja ocupa o primeiro andar de um prédio de três andares, cujas cortinas coloridas indicam ser um prédio residencial. As vitrines da loja estão cobertas por livros, com cartazes de best-sellers ao fundo. Apesar de estar longe, percebo que uma parte da vitrine é dedicada à papelaria, com cadernos estampados e conjuntos de canetas enfileiradas. Toda sua extensão é coberta por toldos, provavelmente para prevenir o desgaste dos livros pelo sol.
O semáforo abre e atravesso a rua. Hesito ao ver a porta fechada e procuro meu celular no bolso para checar o horário. Antes que pudesse tirar o aparelho do bolso, a porta abre e um senhor alto e grisalho sai da loja carregando uma sacola de papel. Cumprimento-o com um sorriso e aproveito a porta aberta para entrar.
"Bem-vind@", me saúda a placa em madeira, cheia de detalhes florais pintados. Minha mãe adoraria uma dessas na entrada do nosso apartamento. Há mais de dois anos moro na cidade e nunca entrei na livraria, apesar de ter passado por aqui inúmeras vezes. Assim como a placa, toda a loja parece exalar conforto e aconchego. A iluminação das janelas, ajudada por luminárias de parede e estantes em madeira escura me fazem querer sentar numa das poltronas espalhadas pelo lugar e ler algum desses livros.
A porta se fecha com um clique discreto e, antes que conseguisse escolher qual caminho seguir (para procurar algo que ainda não sei o que é), um rapaz se aproxima. Sua expressão prestativa substitui qualquer "bom dia, como posso ajudá-lo". A situação não era exatamente o que esperava, então procuro ao redor da loja aquilo que quero, graças às prateleiras de um metro e meio de altura, que me permitem ter uma visão geral da loja.
Mesmo assim, não encontro o que queria.
- Olá – cumprimento. – Gostaria de um livro... – pauso alguns segundos, tentado completar a frase. Não preciso de algo para mim, já que os livros que costumo ler são técnicos e estão disponíveis na biblioteca. Talvez um livro para Júlia? Ou para meu pai? – Um livro de detetive – termino.
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
General FictionJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...