Capítulo 26 - Bernardo

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– Precisa de ajuda com a mala? – pergunta Jane. Ela veste o mesmo jeans de ontem e a jaqueta de couro de sempre, mas meus olhos não conseguem desgrudar dela. Seus cabelos, até ontem compridos ao meio das costas, estão curtos, rente ao ombro, e moldam seu rosto de um jeito que me impede de não olhar.

– Não era para eu ser os músculos dessa viagem?

– Você está em estágio probatório – diz, jogando o cabelo para o lado, claramente consciente de eu estar encarando-o sem cessar. Ela desiste de esperar que eu termine minha apreciação do seu novo visual e se afasta da portaria.

– Essa aí é das difíceis, meu filho – comenta baixinho seu Adalberto, o porteiro desse turno, com um sorriso brincalhão.

– Quem é que não gosta de um desafio? – retruca Jane, sem se render à delicadeza de fingir que não ouviu. Seu Adalberto se aproxima de mim e sussurra novamente:

– Esquece o que eu disse, filho. Essa aí é das bravas, tem que domar com cuidado. – Dou uma gargalhada alta, imaginando o que Jane diria se tivesse ouvido essa parte da conversa.

– Nah! Existem pessoas que não devem ser domadas – digo, sem debater muito sobre o sexismo de seu Adalberto. Me despeço com um aceno e sigo Jane portaria a fora, depois de pegar a mochila e as sacolas do chão. Os novos cabelos da garota me esperam com o porta-malas aberto.

– O que ele fez para te irritar? – pergunto, sem resistir à tentação de passar a mão em seus fios. Por um segundo, acho ela que vai desviar do gesto, mas Jane fica em seu lugar, estoica. Meus dedos deslizam em seus fios macios sem encontrar obstáculo. Encontro o fim em suas pontas cedo demais.

– O cabelo ficou me encarando tempo demais, então fui obrigada a acertar as contas e cortá-lo – diz Jane.

– Quem poderia culpá-lo?

– Esse foi apenas um aviso... se ele não aprender a lição, vou ter que aumentar a pena. – Um sorriso se forma no canto de seus lábios e a imito. Jane estende a mão e lhe entrego primeiro a sacola do cobertor, depois a mochila e por último a sacola preta que seguro com cuidado para não entornar.

– Cuide dessa sacola com o mesmo cuidado que você cuida do se carro – digo.

Jane empurra algumas malas para o lado, a fim de arranjar a melhor organização, apesar de ainda haver espaço para mais uma mala grande. Antes de fechar o porta-malas, diminuo a distância entre nós dois e tomo seu rosto em minhas mãos, segurando-a pelos cabelos. Seu cheiro me invade, assim como o calor de sua nuca e a intensidade em seu olhar. Sem dúvida, Jane anseia por algo, tanto quanto eu. A ideia me faz sorrir feliz. Aproveito nossa posição e aprecio, sem interferência, a forma como seu cabelo molda o rosto, caindo pelas laterais e suavizando seu maxilar anguloso.

Meus dedos enlaçam seus fios e jogo a franja para o lado, como fez há poucos instantes. Razoavelmente satisfeito, deslizo meus dedos calmamente até sua nuca.

– E eu achava que não tinha como ficar mais fascinante – digo, segurando seu olhar, para que veja a seriedade em minhas palavras. Por experiência, sei que elogios bem dados são sempre bem-vindos.

Ela me responde expirando o ar que segurou desde quando tomei seu rosto em minhas mãos. Estamos tão perto que posso sentir seu hálito de menta da pasta de dente. Uma risada estridente sai de dentro do carro e Jane se afasta lentamente, primeiro as botas, depois o tronco e, por fim, a cabeça. Solto sua nuca quando ela ameaça a verbalizar algo.

– Você vai ser o responsável por não deixar Lídia bater em meu banco. – Jane muda de assunto e fecha o porta-malas com uma dose extra de força. Sorrio, sabendo que o barulho que faz é proporcional a sua frustração... e a minha. – Cada vez que deixar Lídia bater nem meu banco, você será adequadamente punido.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora