Capítulo 38 - Bernardo

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Consertamos o carro. Quer dizer, Jane consertou enquanto eu aproveitei seu cérebro multitarefado para fazer perguntas que não teriam respostas (honestas) em qualquer outra situação. Ela utilizou uma espécie de cola e fita isolante em um furo no motor (ou algo lá), o que me pareceu muito MacGyver de sua parte. E aqueles homens ainda fizeram pouco caso de suas habilidades! Sem Jane estaríamos sentados no carro esperando o reboque chegar. Na verdade, nem carro teríamos!

O clima entre nós melhorou e não preciso mais me distrair com Candy Crush no celular, nem fingir cochilar quando perco a partida (afinal, quem consegue dormir quando está furioso com algo?). Os ombros de Jane estão relaxados e sua boca menos retorcida enquanto dirige com cuidado, sem tirar os olhos do painel por mais de cinco segundos.

– Por que você faz matemática? – pergunto. Talvez eu ainda consiga respostas honestas, pois Jane divide sua atenção entre a estrada e a possibilidade de um alerta surgir no painel. – Eu não te vejo dando aulas, tampouco fazendo pesquisa nessa área... na verdade, são raras as vezes em que te vejo prestar atenção mesmo às aulas.

– Matemática era a única matéria que eu não precisava estudar no ensino médio e foi um dos poucos cursos que considerei fazer com minha nota do Enem. – Faz sentido. – Além disso, minha mãe sempre insistiu que eu devia fazer uma graduação e ter um emprego fixo, que me permitisse fazer o que quero de verdade nas horas vagas.

– E como isso está funcionando para você?

– Eu trabalho com algo completamente diferente da minha graduação, não sei o nome da maior parte dos professores atuais e depois de dois anos e meio ainda não reconheço boa parte dos meus colegas, mas como ainda não repeti nenhuma disciplina... está funcionando perfeitamente, eu diria.

– Como você consegue fazer o milagre de passar nas aulas, Jane? – Sempre quis saber como alguém que dorme nas primeiras aulas e está sempre com a cabeça em outro lugar consegue cursar as mesmas matérias que eu. Certo que faço outras disciplinas optativas, mas estamos juntos em todas as obrigatórias.

– Com meu intelecto superior ao de seus colegas neandertais.

– Agora a verdade? – peço, empurrando seu ombro. Ela me fita rapidamente com um sorriso. Vejo meu reflexo, iluminado pelo sol de fim de tarde, em seus óculos grandes e de aros verde. Jane parece ter deixado todo o peso de seus ombros no acostamento em que paramos. Apesar da preocupação com o carro, seu sorriso aparece mais leve que jamais vi.

– Eu posso ou não posso ter conseguido xerox de apostilas, provas antigas e todos os exercícios resolvidos de um aluno que se formou com honras.

– Não acredito que aqueles seis-anos-de-pós-graduação-mais-concurso-público repetem provas! – digo dramaticamente, prolongando o sorriso de Jane.

– Nem todos os professores, mas ter boa parte dos exercícios resolvidos e boas anotações da matéria contribuem para minha bela média passável. – Jane diminui um pouco o volume da música e acrescenta:

– Qual a sua desculpa para fazer matemática?

– Eu amo o curso, amo pesquisa e basicamente tudo relacionado à vida acadêmica. Não me vejo fazendo qualquer outra coisa – digo. Essa é a verdade, mesmo nos dias em que meu orientador me leva à loucura ou quando projetos de pesquisa parecem se arrastar durante séculos (diferente da efemeridade da minha bolsa).

– Mas por que ? Naquela universidade? – pergunta Jane, apoiando seu antebraço esquerdo na janela e me encarando rapidamente com curiosidade. Nesse momento a estrada aumenta, com três pistas indo e vindo. Estamos perto de casa! – Eu já vi suas notas por cima do seu ombro e posso apostar que sua nota no Enem te garantia universidades ainda melhores que aquela e mais perto de casa.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora