Repito pela quinta vez que estou fazendo um ato de caridade ao dar a volta no carro, abrir a porta do carona e entregar as chaves de Tubarão a Bernardo. Procuro argumentos para justificar minha ação, além da última meia hora em que passamos sendo inapropriados para menores de dezesseis anos, segundo a classificação indicativa de filmes.
Eu ensinei Bia e Lídia a dirigirem sem problema algum. Como eu poderia não fazer o mesmo com Bernardo?
"Mas foi no meio do nada onde você mora, não numa autoestrada" diz a voz reprovadora em minha mente. "Foi na picape do pai, não no Tubarão... seu cérebro virou gosma por acaso?".
Reflito sobre a possibilidade por algum tempo, mas a descarto. Balanço novamente as chaves, fazendo prolongar o olhar desconfiado de Bernardo.
- Me recuso a aceitar que qualquer pessoa em meu seleto grupo de humanos chegados tenha medo de dirigir na estrada - digo, tentando acreditar em minhas palavras.
- Eu não tenho medo. - Bernardo arqueia seus ombros, encarando a pista vazia do outro lado do estacionamento. Ele solta um suspiro preocupado que quase apaga seu sorriso bobo dos últimos minutos. - Só prefiro não dirigir perto de veículos que podem tombar e esmagar toda a vida que ainda nos resta.
- Isso que você está sentido acontece quando eu estou sentada no motorista e você está no carona? - pergunto, tomando Bernardo pelas mãos e puxando-o para fora do carro. Ele resmunga, xinga ao pisar em uma poça d'água, mas deixa ser levado para o outro lado.
- Não - ele diz, estancando na porta no motorista. - Eu confio em você. Confio que não vai perder o controle, derrapar sobre o acostamento e nos fazer voar barranco abaixo.
- Sua mente é absurdamente criativa com esse tipo cenário, sabia? - digo. Bernardo dá de ombros, sem remorsos e sem intenção de entrar no carro. Ele aninha as mãos no bolso, mantendo os olhos fixos na entrada do restaurante.
- Bernardo - chamo, mas não tenho resposta. Puxo suas mãos do bolso e, como não oferece resistência, enlaço meus braços em seus ombros. Ele não hesita em me abraçar de volta, apertando meu corpo contra o seu. Não há algo que se compare à sensação incrível de tê-lo perto assim, seu cheiro bom, seus cachos macios entre meus dedos, o vão de seu pescoço, tão perfeito para afundar minha cabeça e roubar um beijo ocasional. Tenho certeza de que não vou me cansar disso tão cedo.
- Você consegue - digo com a voz abafada por sua pele. - Você só tem que colocar o carro na pista, ligar a seta e parar no acostamento, que eu levo o carro dali.
- Você quer dizer, ligar o carro, cruzar a pista molhada e parar naquele meio metro que chamam de acostamento? - Sinto seus músculos se tencionarem novamente ao mesmo tempo em que sua respiração acelera. - Apenas entre no carro e nos leve de volta, por favor.
- Não - respondo, porque não há nada mais a ser dito sobre o assunto. Me afasto, segurando sua nuca para lhe forçar a me dar sua atenção. - Nada vai acontecer enquanto eu estiver aqui, ao seu lado, ao alcance do volante, dos pedais, da marcha e do freio de mão. - Seus olhos sustentam o peso dos meus, um pouco mais firmes e mais confiantes que antes.
Beijo com vontade sua boca macia e perfeitamente mordível, tentando mostrar que pode contar comigo, que não vou deixar nem Tubarão, nem ninguém cair em um abismo ou em qualquer outro lugar estapafúrdio. Bernardo retribui o beijo com a mesma intensidade, segurando minha cintura e minha nuca, mantendo-me tão perto quanto eu o seguro.
A possibilidade de que talvez eu o esteja forçando a fazer algo estúpido outra vez é real.
- Eu confio em você - digo, mal acreditando na honestidade arrancada de minhas cordas vocais, quase sozinha. Nossas testas se encostam e tento lhe oferecer todo meu destemor. - E sei que você não vai desistir ou ignorar um desafio quando ele aparece na sua frente.
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
General FictionJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...