Capítulo 8 - Jane

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- Seus pais estão em casa?

- Pode ficar à vontade para estacionar na garagem. – Felipe desce do carro com um sorriso malicioso. Sei que está pensando "não... vamos ficar sozinhos, no estilo de filme adolescente água com açúcar". Nosso tipo de relação também proíbe esse tipo de piada.

A casa azul desbotada fica em um morro íngreme, numa rua cheia de crianças brincando como se carros não existissem. Felipe ri e diz algo para as crianças, que interrompem seu jogo de queimado (numa subida!) e vão para calçada, abrindo espaço para o Tubarão passar. Felipe abre o portão automático da garagem.

Manobro o carro, estacionando de ré na única vaga da garagem. Felipe mora ali com os pais e a irmã mais nova, desde antes de nos conhecermos, há mais de cinco anos. Seus pais raramente ficam em casa no sábado, alegando que visitam os avós. Verdade: só visitam nesse dia para não nos ouvirem ensaiando a mesma música infinitas vezes.

Lídia salta do banco de trás para dentro da garagem assim que desligo o carro. Ela murmura algo impaciente e se abaixa para brincar com o golden retriever da família. Hércules para de pular em seu dono e se aconchega no abraço da garota na mesma hora.

O cachorrinho foi adotado na mesma época em que nos Felipe e eu nos conhecemos, o que faz ser natural a reação de Hércules, quando saio do carro. Num pulo, abandona Lídia e vem para meu colo, todo pesado e peludo. Acaricio suas costas várias vezes enquanto tento pegar minha mochila do banco traseiro.

- Às vezes, acho que ele gosta mais de você do que de mim.

- Eu tenho certeza – digo, dividindo minha atenção entre Hércules e colocar a mochila no ombro. A bola de pelos é impossivelmente pesada.

- Aposto que são os doces que carrega nessa sua casa de caramujo. – Felipe tira a mochila das minhas mãos, quando Hércules, sem noção do seu tamanho, começa a pular em mim.

- Não importa de quem gosta mais, agora que estou aqui. – Lídia se aproxima e se coloca entre as patas do cachorro e eu, se empenhando no carinho em Hércules. – Ele gosta mais de mim. Não é mesmo sua coisinha fofa?

Com minha mochila em seu ombro, Felipe procura a chave da sala dentre as mil e uma penduradas no chaveiro gigante do Cruzeiro. Sequer entramos em casa e Lídia já está com o celular na mão perguntando "cadê o sorrisão, meu lindo?" ao seu mais novo modelo.

- Ela nem demorou muito, percebeu? – Felipe se refere a não termos esperado por mais de dez minutos na portaria do prédio, até Lídia descer. Normalmente sou forçada a subir e arrastá-la do jeito que estiver para fora do apartamento.

- O tédio deveria realmente estar tomando conta dela – comento distraída, enquanto ele procura algo na geladeira.

Abro a porta para o quintal dos fundos, parcialmente coberto por um telhado, que serve de lavanderia e estúdio. A casa tem um terraço ótimo, mas quase nunca o utilizamos, porque é aberto e faz nosso belo ensaio ecoar por todo bairro.

Seus vizinhos laterais são um prédio de três andares e uma casa igual a de Felipe, porém verde, que não podemos ver por causa do muro alto.

Meus vizinhos favoritos, e os únicos que conseguem ver o quintal da casa, são um casal mais velho que mora na casa de trás. Muitas vezes, no final da tarde, eles se penduram na janela do andar de cima e nos assistem. Os dois são honestos e só elogiam, batendo palmas, quando conseguimos acertar todos os acordes ao mesmo tempo ou quando tocamos sertanejo. Uma vez, a pedido do pai de Felipe, tocamos Bruno e Marrone. No meio da primeira tentativa de "Dama da noite" os dois já estavam na janela gritando incentivos e exclamando "isso que é música".

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora