Capítulo 32 - Jane

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Alguém tem um manual que ensine como lidar com alguém que você gosta, sem estragar tudo? Porque posso afirmar que estou fazendo um excelente trabalho em descobrir como não fazer amigos e influenciar pessoas. O rosto distraído de Bernardo no banco de trás, iluminado ocasionalmente pelo farol dos carros na contramão, é a prova disso.

Ao meu lado, a testa de Bia parece ter vida própria, toda franzida, tentando chamar minha atenção e perguntar sem palavras pela milésima vez o que aconteceu para eu não ter ido dormir no quarto e para Bernardo ter estado quieto o dia todo. Não preciso dizer que Bia assumiu (acertadamente) que a culpa é minha.

Só mais dez minutos até estacionarmos na garagem dos pais das meninas. Só mais meia hora até chegarmos ao bar. Só mais um final de semana para tudo voltar ao normal e, quem sabe, esquecermos esse feriado.

Verdade: essa possibilidade faz meu estômago revirar.

– O que está acontecendo entre vocês dois? – Bia pergunta, criando uma coragem que nunca vi em seu rosto. Devemos tê-la irritado profundamente para ser tão direta assim. Pelo retrovisor percebo que até Lídia levanta os olhos do celular, para prestar atenção a conversa prestes a se desenrolar ao som de "First" do Cold War Kids.

– Do que você está falando, Beatriz? – Coloco toda paciência em minha voz ao fingir que desconheço o assunto. Isso só a deixa mais irritada. Bia aponta para nós dois, Bernardo e eu, e demanda que falemos algo.

– Estou cansado e com saudades de casa – diz Bernardo, dando de ombros, quando fica claro que não vou responder à pergunta. – Amanhã vai ser a primeira apresentação da minha irmã... Ela vai tocar violão em um teatro, para uma plateia bem grande, e passou o dia todo me mandando mensagem porque está ansiosa e com medo de vomitar na primeira fila.

– Então o gesto é de família? – murmuro, baixo o suficiente para ser ignorada por todos. Aí está outro exemplo da minha péssima habilidade de lidar com pessoas. Como Bernardo consegue?

– É claro que eu ajudei como pude e disse que ela vomitaria bem mais que apenas na primeira fila e que as chances dela escorregar no próprio vômito ao sair correndo do palco eram enormes. – Bernardo arrancou um sorriso consternado de Bia. – Eu só queria estar lá, sabe? Às vezes parece que perdemos toda uma vida apenas por não estar lá, especialmente nesses momentos.

Sua voz estava tão melancólica quanto quando Bia convidou-o a passar o feriado conosco. Parece que faz semanas desde que isso aconteceu, em vez de dois dias atrás. Bernardo encosta a cabeça na janela, apoiando os cotovelos na porta, num retrato perfeito da tristeza humana. Talvez não fosse perfeito, mas o garoto conseguia nos fazer sentir tanta empatia por ele que a cena se tornava ainda mais deprimente.

– Que horas será a apresentação? – pergunta Bia.

– Amanhã à noite, por volta das seis horas – diz Bernardo automaticamente, com olhar perdido na cidade escura, mais ou menos vazia e mal iluminada.

– Jane vai adorar te levar até lá – diz a garota, na maior cara limpa. Sinto Bernardo se mexer no banco de trás, segurando em meu banco para se aproximar de onde estamos. Pelo retrovisor vejo esperança em seu sorriso. Foi como ter dado uma vela a alguém que está imerso na escuridão total. Nunca subestime a capacidade manipulativa de Bia.

– Se você não for se incomodar muito... quer dizer, eu pago a gasolina, claro – acrescenta Bernardo. Veja, se fosse para ele pagar a gasolina não teria sido mais fácil ir de ônibus ou algo assim? Para variar, não vocalizo minhas inquietações e deixo os dois trocarem sorrisos satisfeitos e ansiosos.

– Eu vou adorar, não é Beatriz? – limito-me a dizer.

– Lembra daquele domingo em que eu estava com vontade de tomar o melhor sorvete do mundo? Sequer precisei falar duas vezes e você colocou Lídia e eu no carro e dirigiu mais de duas horas para tomarmos um único sorvete.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora